a Sobre o tempo que passa: março 2011

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

31.3.11

Estaremos no grau zero de qualquer coisa? Por Teresa Vieira


Um grau zero de crenças, de ideias, de humanidade zero, começando cada dia com as dívidas dos dias anteriores, zero no destino que baseou a sua contracção.

Será que devemos todos interrogar-nos de novo sobre o que é existir? Sobre o que é existir a seguir ao século XX espaço que emergiu das guerras e das possibilidades?

Será que sabemos onde estamos?

É que se estamos no centro do mundo, é sinal que estamos no centro de um umbigo, e de um umbigo simultaneamente periférico, já que muito se desaprendeu da auto-observação, andando de um modo ou de outro de roda de qualquer coisa sem balanço das realidades cruciais.

O excesso informacional contribuiu em muito para que nada compreendamos. E todos os que se dizem explicar, querem que a perspectiva deles, através da comunicação, ganhe o campeonato da nossa atenção sobre essas vistas supostamente informativas: sendo estas uma maioria bolorenta de interpretações de grau zero e até de menos um.

Julgamos até que o glaucoma intelectual provém, em muito, do facto de não entendermos o que se passa por não sabermos conhecer as retrospectivas dos mimetismos.

Acreditamos que a grande cegueira é a que não reconhece o cego por uma falta enorme de lucidez.
E que tal repensar o nosso modo de pensar e questioná-lo sem parcimónia?

De momento, será talvez o que pode constituir a grande diferença para que algo de fascinante aconteça.

Saibamos sair deste grau zero da medicalização do sentido da vida.

Saibamos construir a geografia acessível ao pé e à alma. Poupemos tempo mesmo que os outros o percam.

As mulheres lutarão incansavelmente para que aos seus filhos se não mostre uma possibilidade de qualquer coisa, mas antes uma significativa vida, um projecto que elas os ensinarão a enfrentar, num outro parto.

M. Teresa B. Vieira
29.03.11
Sec. XXI

Cábula para uso de conselheiro de Estado

Conselheiros de Estado e congéneres dão palpites: entendimento partidário (Sampaio); grande coligação (Marcelo), maioria para o país (Bagão), salvação nacional (Almeida Santos). Soares fez dois governos FMI. O avoengo de Manela Ferreira Leite tramou o tio-bisavô do actual Presidente do Tribunal de Contas. Cavaco subiu ao poder quando tramou o apoio que o respectivo partido dava ao segundo governo FMI de Soares. Francisco Lucas Pires foi a única oposição de direita aos dois governos FMI. Foi o primeiro activista liberal depois do 25 de Abril. Chega de palpites revisionistas e comprometidos. Vejamos alguns do género.

Governo de João Crisóstomo, 1890, 462 dias, dito de "apaziguamento e concórdia". Provocou a revolta republicana do 31 de Janeiro de 1891.

Governo de Dias Ferreira, 1892, 404 dias, confirmou a bancarrota, apesar de visar a "acalmação partidária".

Governo de Ferreira do Amaral, 362 dias, 1908. Depois do regicídio. Dito de acalmação. Apenas concentrou o medo.

Governo dito da união sagrada, 1916, 405 dias. De união dos almeidistas e afonsistas. Entrámos na Grande Guerra, revolta dos abastecimentos, aparições de Fátima e golpe dos camachistas, com Sidónio. Falavam em pátria em perigo, Mas Camacho não entrou, queria ministério nacional com socialistas e monárquicos. Nem sequer a concentração republicana foi possível, com apoio dos católicos.

Governo de Cunha Leal, depois da Noite Sangrenta. 53 dias. 1921. 1 alvarista, 1 liberal, 1, outubrista, 3 democráticos e 3 independentes. Tentou mudar o rumo eleitoral, com uma concentração de todos contra os democráticos, mas estes voltaram a ganhar as eleições e formaram novo governo durante 646 dias.

Governos provisórios de Abril, de 1974 a 1976. Dois golpes de Estado, mas eleições livres. Bom resultado.

Primeiro governo do FMI: o de Soares com o apoio do CDS. 1978. 211 dias. Em nome da política de austeridade.

Segundo governo do FMI. O do Bloco Central, 1983-1985. Precedeu a entrada em cena de Cavaco Silva.

25.3.11

Contra a aritmética dos jogos de soma zero


Encerrado o ciclo de governos de minorias à espera de um milagroso acaso de política europeia que multiplicasse os pães da aritmética parlamentar, todos os discursos que repitam o silogismo da lógica anterior ao regresso da política como persuasão podem ser de personagens à procura de autor ou meros nomes que já não correspondem às coisas nomeadas. Estamos definitivamente condenados a formas de concertação política que partindo de divergências e convergências gerem a complexidade de uma emergência que não tem que ser procura do quantitativo da aritmética parlamentar, mas antes a uma geometria de regime e de restauração de confiança da comunidade no presente aparelho de poder. Daí que o PS volte a ser uma espécie de encruzilhada do actual sistema político, cabendo-lhe o desafio histórico de evitar que a governação, ou o vazio de poder político, possa fazer renascer a tentação do curto-circuito populista, pelo excesso de principado ou pela cobardia dos marechais. Basta acalmarem as paixões que nos podem fazer regressar a Costa Cabral e a João Franco e dizer a Sócrates que quem tem por si a força do apoio interno nunca terá o desairoso de contemporizar com a balança de poderes. O Largo do Rato não é a Ilha de Elba, nem Waterloo pode ser a síntese dos que apenas pensam em termos de amigos e inimigos. Basta a humildade do arrependimento, mesmo sem confissão pública.  

No Diário Económico de 25 de Março

O ESTADO FEBRIL A QUE CHEGÁMOS


Encurrulados pela turbulência, todos confirmámos, a partir do episódio parlamentar de hoje, como o presente modelo de decisões não consegue rimar com a teledemocracia e o videopoder e, muito menos, com o ritmo europeu. Até Sócrates acabou de clarificar o respectivo conceito de diálogo, quando não quis ouvir a oposição na casa da democracia. Preferiu a Razão de Estado, a declaração directa aos portugueses, através do monólogo ou da conversa em família e acabou por aliar-se a todos os que querem que o presente estado febril entre em convulsões verbais. Logo, importa que se elimine a linguagem de guerra que faz da política uma tensão entre o amigo e o inimigo, voltando-se ao consenso mínimo, sem precipitações, isto é, com eleições condicionadas a metas comuns entre os principais partidos do arco constitucional, numa espécie de coligação negativa, não contra Napoleão, Hitler ou outros fantasmas e preconceitos, mas pela boa esperança que dê nova mobilização às tormentas da politiqueirice. O curto-circuito da solidão no poder, de um só lider, de um só órgão de soberania, ou de um só partido chegou ao fim. E o Presidente da República tem um urgente espaço de decisão e de criação de condições para o regresso à confiança pública.  Cabe-lhe um intervencionismo selectivo, mas pode assumir a plenitude da autoridade, pelo menos para evitar que a governabilidade continue reduzida a mera oposição à própria oposição.

No DN 24 de Março

21.3.11

Dez pontos de análise sobre as presentes circunstâncias

Lendo os pronunciamentos de hoje: 


1. Há uma realidade europeia, nova, e temos uma simples soberania condicionada. 


2. Parte dos decisores portugueses, sem participação de todos, ou da maioria, negociaram um PEC. 


3. Os representantes dos portugueses já disseram que só uma nova realidade portuguesa poderá comprometer-se com a actual realidade portuguesa.


3. Este Sócrates foi além dos seus poderes e já pertence ao pretérito. 


4. O novo Sócrates pertence ao presente e pode entrar num acordo de regime ou numa coligação alargada. 


5. Resta saber se, para o consenso, são necessárias eleições.‎


6. Se forem marcadas eleições, elas só devem decorrer num quadro de acordo pós-eleitoral que agora for firmado pelos principais partidos, para que os mercados e a Europa confiem na poliarquia que somos. 


7. O curto-circuito da solidão no poder, de um só lider, de um só órgão de soberania, ou de um só partido chegou ao fim.


‎8. O Presidente da República tem um urgente espaço de decisão e de criação de condições para o regresso à confiança pública. 


9. Cabe-lhe um intervencionismo selectivo no sentido de marcação de eleições depois de obtido o consenso. 


10. Mas pode assumir a plenitude da autoridade e ajudar a criar um consenso alargado de governabilidade, imediatamente, no actual quadro parlamentar.

20.3.11

O ciclo linear: seremos nós ainda um local de encontro? Por Teresa Vieira.


A relação do Homem com a Natureza não é apenas um problema físico, é também um problema espiritual por resolver.

A verdade é que em qualquer momento nós podemos assumir e honrar uma atitude de libertação em relação à nossa conduta perante os outros e perante nós mesmos e perante a própria Natureza. E qualquer atitude das que referenciámos envolve um respeito profundo face ao que se compreende e face ao desconhecido.
Mas não estaremos cada vez mais longe daquilo que se afirma desejar? Seremos nós o futuro ansiado?

Hoje a grande oposição é entre o Homem e ele próprio. Entre o actor e o seu cenário. Entre o divórcio em si como realidade a que se pode deitar mão e o divórcio interior que redivide o Ser e o distribui de novo e sempre em possibilidades artificiais.

Aceita-se com facilidade que se os sentimentos não oferecem alegria às pessoas, mas se podem oferecer conforto, tanto basta para a lógica cruel de um sistema de pensar que rompe circularmente o espírito, visto este como colectivo histórico e assumindo essa condição sem mais.

Acreditamos enfim, que o mundo se modificará apenas com homens transformados.

Homens que se aperfeiçoaram na desvantagem heróica das minorias, e que a partir de certa altura compreenderam, com total lucidez, o perigo das impossibilidades constantes.

Então, esses seres, guerrearão de vez o caminho estreito, irão sorver a praia mantendo-a intacta, irão pegar no sol sem diminuir o seu esplendor, irão regar a árvore com a água do peito e respirarão na consciência de não quererem ser mais os próprios poluidores da vida que lhes coube.

Afinal referimo-nos a todos aqueles que já romperam o chamado ciclo linear, ou aqueles que ainda o vão romper de tal jeito, que se inverterá o ciclo mecânico da máquina termiteira, sendo ela mesma destruída em linha recta e sem retorno.

O perigo do oposto é que o ciclo linear é deveras demolidor, anula mesmo as experiências humanas da maior importância, mas os livros nem falam disto e as aulas também não.

O desapossamento do Homem de si mesmo é um projecto que alguém inventou até à náusea silenciosa.
O ciclo linear não é mais do que o produto óbvio de uma determinada sociedade. Uma sociedade que constrói pedra a pedra a integração no que afirma recusar.

Perguntamos: se nada for feito ou se pouco for feito, seremos nós ainda um local de encontro?

M. Teresa B. Vieira
Em Março num sábado de 2011
Sec. XXI

Pelo regresso de uma Europa sem medo, tomo partido!


Enquanto, o sobressalto líbio nos faz repensar a Europa, cá no quintal, apenas guerras de Alecrim e Manjerona, análises macro-económicas e quase total ausência de política, como se a nacional pudesse abstrair-se da internacional e como se esta se reduzisse ao FMI. Os dados começam a ser lançados para o "new deal" e continuam muitos a julgar que basta sermos caixeiros à procura da tenda dos milagres.


Alteremos o paradigma: nem Fukuyama, nem Huntington. Basta um olhar europeu: nem optimismo universalista, nem pessimismo relativista. Basta voar em armilar.


A Europa não pode ser comandada por delegados de propaganda da banha da cobra e por caixeiros viajantes ao serviço do poder bancoburocrático. A Europa só pode ser política se tiver uma política internacional e não apenas o calculismo dos politiqueiros que não querem arriscar alianças civilizacionais


Em Portugal, há apenas tradução de telegramas e resportagens de guerra a partir do sofá. Não há editoriais. Nem um único esboço de opinião vinda de movimentos da sociedade civil. Estamos entalados entre o discurso de Jerónimo sobre os belicistas e a sociedade civil que foi à Reitoria da Universidade de Lisboa bater palmas ao tirano.


Não tenho dúvidas: estou com a acção militar da coligação internacional, legitimada pela ONU. Esta é a minha Europa. Obrigado, França e Reino Unido. A justiça deve ter força. Há pontos de não-regresso. Como não houve em Berlim (1953), Budapeste (1956), Praga (1968), Polónia (1981), ou Serajevo (1992).


Já chega de cedências à chamada história dos vencedores, onde tem razão quem vence, mesmo que o soberano seja aquele que decide em estado de excepção, como subscrevem os schmittianos que nos ocuparam as entranhas da razão de Estado, não deixando que o Estado volte a ser semente de Estado-razão. Continuo em resistência, em nome da esperança dos desesperados.

18.3.11

HAKAI - 24. Homenagem ao Amigo Sérgio Vieira de Melo. Por Teresa Vieira



Nos dias de prados
À beira-céu
Inominável
O direito a tudo viver
Sem mediação
Aquém vida



Teresa Vieira
Março 2011
Sec.XXI

16.3.11

Em nome de Wenceslau, o peregrino



Quatro clássicos do hakai, em solidariedade com Nippon, homenagem a Wenceslau, o peregrino.


A pereira em flor —
No antigo campo de guerra,
A casa em ruínas.


(yama no tsuki hana nusubito o terashi tamou, de Issa)


No perfume das flores de ameixa,
O sol de súbito surge —
Caminho da montanha!


(ume ga ka ni notto hi no deru yama ji kana, de Bashô)


Ah, o rouxinol!
De novo ele tenta
E tenta de novo.


(uguisu ya mata iinaoshi iinaoshi, de Chiyo-jo)


Mar de primavera —
O dia todo,
Ondula, ondula ...


(haru no umi hinemosu notari notari kana, de Buson)

Après moi, la fin du moi(s), ou Après moi, le déluge, porque L'État c'est moi





1
‎"Après moi, la fin du moi (s)", ou a nova variante do "Après moi, le déluge", porque "L'État c'est moi", porque "peça de teatro é eleições" e porque vale mais o monólogo da "comunicação directa aos portugueses", em entrevista, conferência de imprensa ou nota oficiosa.


2
Vantagens da concorrência hacktivista: demorou dois dias a desbloquear o iPad2... Só não há suficientes piratas para que se dinamizem outros "softwares", escravos do "hardware" do mais do mesmo. Os que vivem em autoclausura reprodutiva, com cadáveres adiados que se procriam em semântica...


3
O secretário de Estado do Tesouro e Finanças avisou que se houver uma crise política o financiamento de Portugal nos mercados estará em risco. Cavaco Silva já dizia o mesmo se houvesse segunda volta das presidenciais.


4
Não foi numa transcrição do Plano Inclinado que li isto: "O primeiro-ministro... cometeu erros graves: não tem informado, pedagogicamente, os portugueses, quanto às medidas tomadas e à situação real do País. Nos últimos dias, negociou o PEC IV sem informar o Presidente da República, o Parlamento e os Parceiros Sociais. Foram esquecimentos imperdoáveis ou actos inúteis, que irão custar-lhe caro."


5
Primeira avaliação depois do acordo com os camionistas: Moody's reage ao A4 e passa avaliação do A1 para o A3.


6
Primeiro equívoco desfeito: ele não apresentou PEC nenhum, telefonou directamente ao PSD na noite anterior, comunicando directamente aos portugueses o aprofundamento das medidas que já tomou, assim antecipando o facto consumado do compromisso e estamos totalmente disponível para negociar.


7
Segundo equívoco desfeito: o presidente deve ser isento, o seu discurso nunca deve ser instrumentalizado por ninguém, tem que avaliar a crise internacional e que "faça aquilo que deve fazer com os poderes que tem".



8
Terceiro equívoco desfeito: compreende os sentimentos daquela gente que fez uma manifestação pacífica e ordeira, partilhando a angústia e a frustração e reconheço a esperança num futuro melhor.


9
Quarto equívoco desfeito: esta crise não foram os Estados que a fizeram, foram os mercados, mas eu estou a tomar medidas para evitar a desconfiança dos mercados e financiarmos o nosso Estado social.


10
Quinto equívoco desfeito: sou contra a crise política, sou contra a crise política, sou contra a crise política, sou contra a crise política, sou contra a crise política, sou contra a crise política, sou contra a crise política, sou contra a crise política, sou contra a crise política, sou contra a crise política, sou contra a crise política, sou contra a crise política.


11
Sexto equívoco desfeito: defendo o meu país, defendo o meu país, defendo o meu país, defendo o meu país, defendo o meu país, defendo o meu país, defendo o meu país, defendo o meu país, defendo o meu país, defendo o meu país, defendo o meu país, defendo o meu país, defendo o meu país, defendo o meu país, defendo o meu país.


12
Sétimo equívoco desfeito: não estou agarrado ao poder, mas vou recandidatar-me.


13
Oitavo equívoco desfeito: se a Assembleia da República votar contra o PEC, não é preciso votar a favor, há crise, há intervenção externa, chega o dilúvio. Por outras palavras, já há. Se o PSD continuar a dizer o que ouvi, o que nem sequer vai "viabilizar".


14
Nono equívoco desfeito: o equívoco não se desfaz com o seu sinónimo, seja o ambíguo, o erro, a confusão, a interpretação errada, o mal-entendido, o sofisma, o trocadilho, isto é, o que suscita várias interpretações contraditórias, ou dúvidas (obrigado, Ciberdúvidas).


15
Décimo equívoco desfeito: a telenovela é apenas um sucedâneo de teatro. Pedimos desculpa por esta interrupção, o programa, afinal, não segue dentro de momentos, apesar de termos chegado a acordo com os camionistas. Ainda falta decidir o TGV. Vou mudar de canal para o Espírito Indomável, antes do Mar de Paixão.

15.3.11

Entre passos e paços...




1
Passos pediu audiência a Belém. Sócrates convocou, de urgência, o seu conselho. No primeiro caso, no Palácio de Belém, pode vir o de Estado. No segundo, nos Paços, mas de São Bento, com os portões fechados, foi o de ministros. Em ambos os casos, o estado a que chegámos.


2
São Bento ainda guarda memória daquele presidente do conselho que raramente reunia os ministros todos à mesa. Ele bem dizia que, para haver conselho, bastavam dois: ele, sentadinho no sofá de coiro, e o ajudante ao lado. Que o plenário apenas ratifica o que chefe manda. E ainda não havia PECs, incluindo o último, já apresentado aos bruxelenses, sem Belém nem areópago, o dos tombos e dos frades....


3
Os da face oculta, com varas, penedos e godinhos, vão mesmo todos a julgamento. Que se faça justiça, pelo menos, no caso concreto, mesmo que apenas se tente escrever direito entre tantas linhas tortas...


4
‎"Não sei se Sócrates apresentou em Bruxelas as novas medidas de austeridade sem as ter comunicado primeiro ao Presidente da República. Espero bem que não. Para além de ser uma óbvia obrigação política, o dever de informação governamental ao Presidente da República tem assento constitucional" (Vital Moreira, ontem).


5
Perante a crise da velha democracia, marcada pela relação entre o indivíduo-cidadão e o velho Estado, através dos antigos partidos, passámos para um novo mundo. Onde surgem mecanismos dotados de mais complexidade e organizações não visíveis, onde os velhos actores se assumem com a antiga lábia dos caixeiros viajantes...


6
No palco da política, mostram-nos o PS e o PSD, a senhora Merkel e os comissários de Bruxelas, mas não surgem os credores que comandam os marcados, os que fixam os preços dos bens alimentares, os que facturam com guerras, ou os indefiníveis controladores da produção e distribuição da energia.


7
Nem sequer nos deixam detectar os novos sinais do tempo, depois da explosão inorgânica da manifestação de 12 de Março. Os nossos donos do poder passado preferem continuar a retórica da velha opinião canalizada dos grandes representantes, sem dar voz a quem ainda não tem voz.


8
Vivemos em encruzilhada e interregno, nesta anarquia ordenada onde manda quem consegue ser mais organizado, numa desorganização onde até se acirram as velhas teorias da conspiração dos ricos que paguem a crise, dos criptocomunistas, dos maçons ou das seitas fundamentalistas ou beatas, para gáudio do propagandismo e benefício das agências de comunicação.


9
Quando se denunciaram sinais de ligação entre a corrupção e a partidocracia, os comandantes desta já perceberam que não podem continuar a alimentar certa teia que os assaltou. Garanto que, apesar de tudo, melhoraram, pelo menos, alguns deles.


10
E na própria Europa, há mudanças boas que vieram de prévias mudanças no interior das partidocracias. Sou dos que ainda joga pela mudança interna no actual regime. Dá mais confiança do que a incerteza das revoluções, onde os pais fundadores são sempre substituídos no dia seguinte dos PRECS...Não sou revolucionário nem tenho alma de revolucionário ou de contra-revolucionário, que vem a dar no mesmo.


11
As novas ou velhas ideologias parecem não aguentar este impacto das circunstâncias, onde não faltam o aleatório de um tsunami ou o erro de construção de uma central nuclear. E soa a ridículo pensar que será o velho Estado, herdado de Salazar e Vasco Gonçalves que nos vai ajudar a navegar na tempestade.


12
Os partidos a que chegámos, como plataformas giratórias da política doméstica e da política internacional, ainda são fundamentais se assumirem com humildade o pequeno papel de mobilização social e comunicação política que ainda lhes cabe, mas desde que não exagerem na política de imagem, sondagem e sacanagem com que vão abusando do poder que resta.


13
Somos gota de água num oceano europeu e ocidental de partidocracia multinacional. Posso discordar, mas tenho de me submeter para sobreviver. Só a partir dos partidos, mas não só, podemos lutar para viver.


14
‎"Alterum non laedere", "suum cuique tribuere", "honeste vivere", isto é, justiça, justiça de contratos no horizontal da confiança pública, e, a cada um segundo as suas necessidades, desde que antes cada um dê segundo as suas possibilidades, isto é, justiça dstributiva, mas depois de prévia justiça social, como diriam Aristóteles, São Tomás de Aquino e Marx, quase com as mesmas palavras da república romana.


15
Só depois é que as ideologias e os programas de política pública estabelecem modelos de política prática e, sobretudo, a norma oculta de qualquer regime: como aferir o critério da igualdade, igualizando o que é desigual, tanto pela natureza como pela cultura, isto é, por aquilo que o homem acrescentou à natureza, desde a família à economia e, sobretudo, com a política.

13.3.11

Pela Santa Liberdade!



1
Ontem, foi mais um dia de interregno. Acabou a fase de luta pelo poder que resta, começou o tempo de criação de uma nova forma de poder, para os que assumam a intuição criativa e dêem signo de libertação aos esboços de liberdade que os povos esboçaram."Com todos os prós e os contras, acabei de ultrapassar a dúvida metódica que precede as crises da decisão. Seria cobarde proclamar que apenas os "compreendo", reservando o prognóstico para depois do apito final. A convocação precisa de uma resposta inequívoca: digo que sim! Que seja o primeiro dia de um novo começo. Convém que os povos ocupem a rua contra as pretensas razões de Estado." (escrito há 22 horas, no FB)


2
Já não chega a mera invocação da razão de Estado, sem acompanhamento parlamentar e com ostensivo desprezo da presidência. Os patrióticos fins não podem justificar todos os meios. Correm o risco de ficar no inferno das boas intenções."hoje ainda somos poucos mas aos milhares bem mais do que a soma de todos os mobilizados pelas jantaradas com que os ministerialismos se vao passeando pela provincia" (escrito a partir da manife, do telemóvel, há 20 horas).


3
Faltou nas ruas a bandeira azul das doze estrelas, usurpada pela partidocracia e pela tecnocracia dos eurocratas. Por cá há um povo que ameaça acordar, contra os ministros do reino por vontade estranha.E cá mesmo no extremo ocidental/ Duma Europa em farrapos, eu/ Quero ser europeu: Quero ser europeu/ Num canto qualquer de Portugal (Afonso Duarte 1884-1958).


4
"Vemos, ouvimos e lemos, não podemos ignorar" (Sophia). Por enquanto, apenas uma federação de minorias em coligação negativa, à procura da liberdade. Amanhã, será revolta.


5
O poder cria-se. É sempre a união do órgão e da função. Não é esse órgão sem função, o da governação em pilotagem automática, nem essa função sem órgão, o da manifestação, ainda sem voz tribunícia.Não sou um velho vencido!/ Mesmo à beira da morte/ Quero erguer o braço forte/ Da razão de ter vivido (Do mesmo poeta da Ereira)


6
Os futuros protagonistas serão os políticos da democracia representativa que navegarem as circunstâncias através da palavra que se cumpra em confiança pública, contra o império sem rosto que nos oprime. Recomeçou a dignidade.O além da vida me tem morto,/ Não a morte:/ Um além que é amanhecer na noite sem fim/ Dos dias sofridos,/ Dos dias sem manhã nem tarde,/ Porque foram de exílio, de desterro (Afonso Duarte, que vou relendo).


7
A governação não existe como abstracção que nem é constitucionalmente prevista. Não passa de entidade representativa, a que está presente em vez dos outros que somos nós. Por enquanto não são deuses nem tiranos. São pastores, mas carneiros como todos os outros carneiros do rebanho dos cidadãos, como diria Platão. "sinto que esta manife constitui uma inorganica federacao de minorias em procura de liberdade... A revolta segue dentro de momentos" (escrito há 20 horas, no telemóvel, em plena manife e publicado no FB).


8
Quem estica a corda em demasia, pode chegar a casa e reparar que ela quebrou pelo lado mais fraco. Tudo depende da qualidade da democracia. Se esta ainda resistir."sinto que esta manife constitui uma inorganica federacao de minorias em procura de liberdade... A revolta segue dentro de momentos" (escrito de telemóvel, em plena manife, do meu FB)


9
Certas viúvas do cavaquismo sem Cavaco e do Bloco Central sem Soares, podem andar por aí nas tácticas de procura de um qualquer consensual do centrão mole e difuso. Enganam-se com esses bailados de sociedade de corte, à procura de um qualquer João Crisóstomo para um pretenso governo de partidários ditos extrapartidários, antes de entrarem na esquizofrenia de João Franco... "ha alegria e criatividade neste manifesto do nosso eterno desenrascanco onde cabem milhares que amanha serao milhoes... O povao comeca a acordar" (escrito há 19 horas, em plena manife, do FB).


10
Há mais do que razões de convergência para uma moção de censura que invoque a ofensa ao princípio europeu e nacional de acompanhamento parlamentar das grandes decisões europeias. O estado de necessidade negocial é valor inferior ao do estado de sítio em defesa da separação e interdependência dos poderes."tenho orgulho de ter vindo...senhores rampuy, barroso e merkel, olhem que ainda ha um povo que ameaca acordar" (idem, há 18 horas).


11
A soma de multidões mobilizadas pelas jantaradas comicieiras com que os ministeriais se passeiam pela paisagem da província, com as claques habituais organizadas pelas distritais e pelos governadores civis do velho estadão são ridiculamente incapazes de encher a Betesga. Tenham juízo! "Voltei agora a casa. Vantagem de viver aqui mesmo ao lado e de conter esta máquina cardíaca que ainda está limitada. Liguei a telefonia, está a dar o futebol do costume. Abri a TV, estava uma ex-deputada a discursar. Não ponham funil à coisa no "day after". Façam desaguar a corrente no seio da democracia representativa, para um baralhar e dar de novo" (escrito há dezoito horas, quando voltei a casa).


12
Ai da Europa se não se importar que nos belgiquemos e que basta um qualquer governador da Flandres que nos leve para a renovada Santa Aliança do pretenso equilíbrio das potências. O eixo tanto foi derrotado em Hamburgo como já vê a Marine Le Pen suplantar o senhor Bruni nas sondagens.


13
Não foram as recentes eleições parlamentares que afundaram a Irlanda nas avaliações dos mercados, nem o malhar nos manifestantes gregos que deu mais respeitabilidade ao governo de Atenas. Os tecnocratas do pretenso super-estado da eurocracia têm de compreender que não haverá Europa se esta não for uma democracia de muitas democracias.


14
Não há democracia se continuarmos neste jogo das governações sem governo, sem parlamento e sem presidentes eleitos por sufrágio universal, por mais que derramem inconfidências em Twitter, a partir das próprias reuniões cimeiras.

11.3.11

No dia nacional das nacionalizações, abaixo o neoliberalismo ultraliberal, pelo socialismo social-democrata do mais do mesmo


1
Hoje deveria comemorar-se o dia nacional de luta contra os conservadores e os neoliberais, em memória do 11 de Março de 1975, dos nacionalizados, nossos, com amplo apoio de PSD e PS, e que foi o melhor investimento das grandes famílias possidentes da antiga senhora, dado que nacionalizaram os respectivos prejuízos, de que foram ressarcidos com as mais amplas indemnizações pós-revolucionárias...




2
A revolução das nacionalizações da banca e das seguradoras, que atingiram barbearias, floristas e até solitários asininos, tanto deram para o folclore do socialismo de consumo de certa geração agora aposentada, como para o posterior liberalismo a retalho dos donos de sempre deste poder instalado, o da nacionalização dos prejuízos, com privatização dos lucros.


3
Desde o neofeudalismo do Estado Novo às nacionalizações ditas revolucionárias, onde os assessores dos grupos dominantes passaram a ministros dos elefantes brancos em que nos enredámos, ficámos com um capitalismo amoral e, nalguns segmentos completamente imoral, perdendo tanto a ética republicana das velhas companhias, como os próprios fundamentos da ética católica, protestante ou judaica. E continua o regabofe.


4
Em vez do capitalismo das autonomias, ficou este modelo bancoburocrático e salazarento, cheio de clandestinos organismos de coordenação económica e de muitos cogumelos corporativos que se agarraram como lapas à subsidiocracia e à empregomania com que o cavaquismo nos traduziu em calão a integração europeia. Daí que todo o 11 de Março gere sempre a esquizofrenia da manife do 12 de Março.


5
Como diria um ilustre presidente honorário e vigente de um actual grande partido, em duas frases que junto, em Portugal, o importante não é ser ministro, é tê-lo sido, porque, como não há vergonha, ainda se conjugam verbos e adjectivos que nos confirmam como manicómio em autogestão. Os nossos parceiros europeus, vendo-nos sempre em contraciclo, é assim que retratam nosso juizinho, como chéchés...


6
Felizmente que as nossas vigilâncias secretas policiais estará atenta à manife de amanhã e vai coligindo os periscópios bem patentes nas redes sociais, onde há doces conúbios na fabricação de inimigos comuns, nesta engenharia caviar das revoluções enlatadas com que se deliciam os nostálgicos dos processos revolucionários ou reaccionários em fim de curso. Não consta que as claques dos grandes clubes da futebolítica tenham sido mobilizadas como bodes expiatórios para a quebra de lojas, nem que outros participantes da "saturday night fever". Não será desta que chegaremos ao nível de Atenas.

Movimentos. Por Teresa Vieira

É curioso que existem aí uma série de movimentos paralelos que correspondem à mesma pergunta e à mesma insatisfação.

Estes movimentos assumem formas de actuar diferentes e têm uma expressão eleitoral nos votos, se atentarmos em todas as formas de exercício de expressão desses mesmos votos, incluindo a abstenção.

Ora estes movimentos colocam-nos a questão de indagarmos se os mesmos devem funcionar paralelamente como uma linha alternativa, que, afinal, até pode não entrar no jogo eleitoral.

Parece-nos que estes movimentos até se desejam actuantes de algum modo fora do processo eleitoral para que possam intervir de modo mais objectivo sejam quais forem os governantes.

Talvez que estes movimentos, simplesmente ofereçam locais mentais, onde pessoas se podem encontrar e desse modo se não entendem prosélitos.

Enfim, não se tratam de locais com secretárias e mesas para as pessoas se sentarem, mas têm endereço electrónico e virtual ou não número de polícia para onde se pode escrever ou estabelecer contacto.

Há coisas difusas, um pouco por toda a parte, mas que constituem pontos de convergência inequívocos de sentimentos fortes e sobretudo de consciencialização de atitudes profundas.

Caberá questionar se se pode entender se é por esse caminho que se pensam e resolvem muitos dos problemas dos homens neste mundo.

Ora nós não definimos caminhos. «Se hace camino al andar». Insistimos sim, que para se inverter a maneira de olharmos determinadas situações, há que definir e estarmos atentos às atitudes, sobretudo as que carregam a leveza dura da criatividade na crítica e nas alternativas que propõem.

Acreditamos que a criatividade interpretativa não é gregária, mas de indivíduos, indivíduos com uma certa esperança na construção de uma real utopia.

Acreditamos que existe todo um mundo de pensamento ecológico que não constituindo um ecotipo, actua demarcado do grande conjunto da sociedade e que rouba – nas palavras de muitos – votos à esquerda e à direita, o que só por si demonstra o grau transversal de mal-estar.


São movimentos que se não aconchegam ao estabelecido. São movimentos, afinal não extenuados da luta.

Não se trata a nosso ver de dizer que revelam um pensamento doutrinário mas sim que são expoentes de uma reacção ao que existe e tal como existe.

Sugerimos que se possa pensar o quanto nestes movimentos se denuncia que o homem não pode usar a sua própria vida como uma troca.

Talvez começarmos por aqui: por este óbvio indisciplinado.

M. Teresa B. Vieira
10.03.11
Sec. XXI

Um silêncio no coração. Uma mão aberta nas almas de todas as solidariedades. Por Teresa Vieira



O sismo e os tsunamis que atingiram o Japão hoje e as consequências atrozes quando outros países receberem as ondas de choque, levam-nos, no mínimo, a pensarmos na ínfima partícula do universo do qual somos todos um minúsculo grão de areia.

E enquanto grãos de areia regeneremos a possibilidade de sermos uma revelação para nós mesmos e para os outros que de nós precisam.

Se o ser humano desistir de alguém, é de si mesmo que desiste. É a si mesmo que se está a condenar no inevitável sismo da autodestruição.

Assim haja tempo de ainda provarmos que o silêncio no coração existe para que escutemos melhor a nossa voz e as dos que por nós chamam. 

E que todas as mãos das almas sejam fundamentais ao sentido da vida, à salvação do casamento de todas as solidariedades.

Presente!

M. Teresa Bracinha Vieira
11 de Março 2011
Sec. XXI