a Sobre o tempo que passa: O Tejo e o Douro dão lições do bel canto. Por Teresa Vieira.

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

14.4.11

O Tejo e o Douro dão lições do bel canto. Por Teresa Vieira.



Se os verdadeiros escravos são também aqueles que não reconhecem as correntes ou nem delas têm consciência, então, a violência invisível pode ganhar foro de lei, na estrutura e na conjuntura que cerca o individuo.

Les Justes de Camus, infelizmente sempre actual, constitui também uma ideia que se aplica ao terrorismo em sentido lato do termo, ou quando ele justifica a paz pela morte ou a guerra como único recurso.

Em verdade a questão também passa por todos sermos reféns, até mesmo da não felicidade, se este Portugal continuar a ser, como no verso de O’Neil, a questão que nós temos connosco mesmos, se esta questão, acrescentaríamos, fosse apátrida.

Acredito nas impopulares responsabilidades de nós próprios para connosco face à imagem que projectámos, se atentarmos o quanto elas se atreveram a fazer-nos frente avisando-nos com fundados juízos, que o remédio que tomávamos nos intoxicava a própria razão.

Portugal é também um país mimético e os portugueses são porosos e fascinados por tudo o que possa ser um qualquer algures.

Ora o grande perigo reside nesse exacto qualquer algures que de manso nos vai e foi tolhendo a liberdade.

Um país sob tutela ou curatela de outros mandos terá de assumir, que os aspectos traumáticos dessa submissão lhe calham ao nível pessoal e colectivo.

E terá de assumir a maleabilidade com que aceitou e fez jus ao facilitismo de nada incomodar o suficiente que desse para contraditar em tempos anteriores.

Viveram-se anos de uma impostura alegre entre as gentes que comunicavam através de uma ambiguidade política e humanas confrangedoras.

A massa informe de eleitores decepcionados ou arrependidos dispostos a pastorar o voto por algo semelhante ao que repudiaram, criou fortes raízes na governação difusa e tranquilizante, assente na incompetência ou no provar capacidades para adquirir cargos e estatutos à medida.

Depois lá ia chegando a melancolia de quem por esse modo agride a própria frustração.

Mas, até essa melancolia de cavalaria parda, apenas aparecia como os cometas, em horizontes distantes e distorcidos pelas sombras.

E eis que chegados aos tempos das virtudes novas e arrebatadoras, já todos se encontravam dormentes e agrilhoados o suficiente, para lhes não dar alento ou convicção de credibilidade.

Ainda assim há sempre portas na porta do ser. Há sempre jeito de travar as frustrações ingovernáveis.

Surgem mesmo liberdades novas por sob o esmagamento espiritual de uma tristeza que se não identifica com quem nas suas mãos o oiro e o ferro fizeram força.

Assim, nesta questão do Portugal, enquanto questão connosco mesmos, como afirmava O’Neil, nunca será demais alertar que haverá que não recriar com outra tinta a ilusão de que tudo o que a precede não foi verdade.

Como já escreveu Calvino, a coragem é uma coisa que não podemos dar a nós próprios, mas, se acrescentarmos que a vida faz confiança na inteligência, esta saberá que não há virtudes perfeitas e também reconhecerá que, desapaixonados, os povos nunca foram nada, pois reconheceu-se há muito o quanto o intermédio permanente não corrige mundo ou vida.

O Tejo e o Douro dão lições do bel canto enquanto uma luz áurea os distingue de qualquer modo estandardizado do percorrer e do decifrar.

Então e por Sebastião da Gama digo:
Alevanta-te povo!

M. Teresa Bracinha Vieira
Corre Abril no sec.XXI e no ano de 2011