a Sobre o tempo que passa: As presidenciais, em quatro andamentos

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

27.1.11

As presidenciais, em quatro andamentos





I
Amanhã vai sair nova sondagem para as legislativas. Espreitem. Eu já compulsei a medição. O pós-cavaquismo vai começar. No PSD, já é. No PS, pode vir a ser. Os eucaliptos podem ser postos em vasos, sejam quais forem os resultados de hoje.


Nas presidenciais, até à última ainda é vindima, de uva murcha. Essa de quem morre à vista de costa apenas se aplica a um sistema eleitoral onde, mesmo que votem cem eleitores em dez milhões, apenas contam as percentagens relativas dos votos validamente expressos..

Há velhas instituições democráticas onde os representantes na assembleia-geral variam em proporção. O parlamento formal é medido conforme os que participam no acto eleitoral... Não consta que se dêem mal com o escrutínio...

Mas amanhã, ou até logo, depois da noitinha, vão ser abundantes os prognósticos depois do apito da urna fechada. Os eleitos pouco se importam com as participações, depois de eleitos. Bem mereciam que o número de deputados estivesse dependente do número de votantes e de presidente ter um tempo de mandato proporcional à participação no acto eleitoral...

Logo, aqui e agora, quem vence pode ser vencido. A frase é do maior politógo português do século XX, porque misturou o lume da razão com o lume da profecia. O repúblico em causa é um tal de Pessoa. Consta, não do manual que felizmente não escreveu, mas das "Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação".

"My country, right or wrong; if right, to be kept right; and if wrong, to be set right" (Carl Schurz 1829–1906).


Na véspera, aqui






II
D. Januário Torgal Ferreira declarou-se. Quase repetiu, depois da eleição, o que disse Coelho na campanha. Traduziu em calão o que os ultramontanos dizem de Silvio. Não comento tensões de corredor da universidade concordatária. Mas registo a violência verbal entre os filhos dilectos.

Augusto Santos Silva ainda não comentou o "golpe de Estado constitucional", agora refeito. Consta que vai passar de ministro a capelão militar, dado que este último vai mesmo a ministro, depois da devida autorização papal.


Ministro Lacão veio elogiar a grande maturidade política de Passos Coelho. Não citou ainda o "deixem-nos trabalhar".

Sócrates anotou, linha a linha, o discurso do presidente democraticamente reeleito. Belo trabalho de antecipação. Passos coça a cabeça...

Pouco antes, nosso Primeiro garantiu que os portugueses optaram por não mudar. Que escolheram a estabilidade política. Concluiu até subliminarmente: eu sou o suporte do referencial de estabilidade, Alegre é pretérito imperfeito!

Se Voltaire voltasse, poderíamos concluir que Pangloss apenas seria um plágio...

O essencial é contabilizarmos quantos meses, meses e meses nos enrodilhámos em eleições passadistas. Podiam ter ocorrido todas em menos de quinze dias e já estarmos, há muito, a caminhar para as próximas que, com este quadro de pés de barro e paredes de ferro, vão chegar atrasadas...

PS e PSD têm que decidir o essencial sobre o orçamento a apresentar a Bruxelas até Abril. Tenham juizinho os que estão assim "augados", como se diz para lá do Marão...*

*A expressão "augados" tem direitos de autor. De um político que venceu porque não quer ser vencido, ouvida no último jantar do Albergue. Podem ir aos arquivos, para lhe darem descódigo.


(no próprio dia, aqui)




III
A decisão política cimeira de uma democracia é a orçamental. A de 2011, sobre 2012, vai ser antecipada em meio ano. Acordem para os acordos que aí vêm, depois de um fim de semana em Bruxelas!


Os nossos supremos decisores não passam de "guardadores de patos", para parafrasear Teófilo Braga, o que veio antes de Manuel de Arriaga. Patos continuamos, porque não queremos ser guardas dos guardadores.

Convém incluir a data das eleições no PS no calendário do exame prévio do Orçamento de Estado em Bruxelas. A teoria dos factos consumados e a gestão do médio prazo, tendo em vista a luta contra as armas nucleares. E assim se suspende a democracia por mais de seis meses, porque o povo fez aquilo que vai merecer, passou um cheque em branco e nem sequer garantiu a isenção de taxas.

Alegre não vai candidatar-se a secretário-geral do PS. O pós-socratismo não é. José Manuel Coelho não pediu a inscrição no partido de Paulo Portas. O PSD pondera continuar a via do pós-cavaquismo, mas ainda vive em interregno, depois de um súbito aquecimento de cavaquismo sem Cavaco.

O nível de excitação comicieira nas presidenciais de alguns dos nossos actores políticos é directamente proporcional ao nível de moderação portavozeira, no "day after". Especialmente quando os actores não são autores e querem continuar a manipular os auditores que assistem ao desenrolar da teatrocracia...

O nível de indiferentismo visível de uma democracia é directamente proporcional à ocultação dos processos de compra de poder.


(dia seguinte, aqui)




IV
Descobri o grande vencedor das eleições: a couve que cresce nas traseiras do quintal há cinco anos. E assisti ontem à conversa de um mediático arguido, para a nossa permanecente angústia, entre leis cheias de vírgulas e intermináveis manobras dilatórias. Quase vomitei de nojo.

Continuamos à espera de Colombo que fure o ovo do nosso enjoo. Viva a couve!

Depois, comprovei que o raio dos mercados ainda não perceberam que não vai haver segunda volta das presidenciais.

Espero que Oliveira Marques não tenha acertado na profecia, quando alertou, uns anos antes de falecer: «Portugal está condenado como nação, porque perdeu valores colectivos que definem um povo, uma sociedade, uma moral, uma política». Sinto muitas moscas em movimento e os habituais traidores em histeria, à procura do sangue da vingança.

Deveríamos voltar às três velhas fontes do direito que continham os excessos legiferantes: o costume (o do "tacitus consensus populi"), a jurisprudência (se traduzissem adequadamente "prudentia") e a doutrina (a não capturada por avenças e consultadorias e que fosse mesmo "pro bono"). O resto é chover no molhado.

Regime político não é o que se decreta, conforme a origem etimológica (vem de reger, onde reger tem a ver com rex). Na prática, a teoria é outra, não passa mera relação entre uma determinada comunidade e um determinado sistema de valores. Resulta de um plebiscito quotidiano. Logo, o que parece pode já não ser.

Quando o reger já é o sem rei nem lei e, à liberdade, todos, para cada um, lhe chamam sua, regenerar tem de ser refundar desde a raiz. Para o que esteja em cima rime com o que deve ser em baixo. Caso contrário, vai tudo ao fundo.


(dia três, aqui)