a Sobre o tempo que passa: Meditações de ano mau, à espera de outro melhor...

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

28.12.10

Meditações de ano mau, à espera de outro melhor...

1
Muitos desesperados chamam, às velhas operações da cunha, actividades congreganistas e maçónicas, especialmente quando a dita é elevada a manobra da nova sociedade de corte, hierarquista e neofeudal, daqueles favores pequenos que, com favores maiores, se pagam, por mais místicas que sejam as protecções de adro, sacristia ou passos perdidos com que se recobrem...


2
Esta fragmentação patrimonialista que destrói a política e o espírito torna-se mais patente em épocas de apodrecido fim de regime, como as da presente degenerescência, onde, como cantava o Mestre, não há lei nem rei, ninguém sabe que coisa quer, nem o que é bem, nem o que é mal...


3
Não sei nada de grego, mas sempre digo: O problema é não haver indivíduos (de "indivisus"), porque, para que eles o sejam, tem que haver moral, a ciência dos actos do homem enquanto indivíduo, como ensinava Aristóteles.


4
Quando se economiciza a "polis" ou a moral, quando se politiciza a economia ou o indivíduo, a resposta individual é aquilo que a velha ideia da anarquia mística sugeria: resistência, revolta, futuro! Porque, da Corte, homem não é, vale mais quebrar do que torcer (Sá de Miranda, em glosa).


5
A moral não depende do observador. É coisa que apenas fica dentro do observador, mas só quando ele tem capacidade (auto), por si mesmo , de editar as própria regras (nomia). E o gosto íntimo de as cumprir, respeitando a autonomia do outro. Isto é, tendo o limite de, no espreguiçar os braços não esborrachar o nariz do outro (imagem de Holmes Jr., um velho filósofo do direito, norte-americano...). 


6
Não há liberal à antiga que não tenha um anarca respeitoso dentro dele! A revolta é mais enérgica do que a revolução (Mestre Camus mo disse, num livro escrito no ano em que próprio nasci).


7
Aqui chego com o sabor amargo de sentir no lombo as unhas arreganhadas do caceteirismo mastigóforo, o da inquisitorial sandice que me quer agnóstico, ateu ou de outra revelada pelo mesmo livro, quando apenas me confesso homem religioso, contra o fanatismo, a intolerância e a ignorância, mesmo a que apenas espera indulto de príncipe e nos sugere o estado de escravos voluntários.


8
Por dentro de muitas coisas com figura humana, continua a besta do costume, nomeadamente as muitas traduções em calão de um puritanismo multinacionalmente fundamentalista que usurpa velhos símbolos de libertação e signos da energia pátria dos egrégios avós, heróis do mar. Detesto os reaccionários que não assumem a tradição e nos embalam com um absolutismo apátrida que edita santinhos e pagelas, enquanto disfarça a cobardia com hóstias embebidas em vinhedo, arrotando dejectos em forma de palavra.


9
Há quem não alinhe no binário do respectivo manual de procedimentos e exorcismos...


10
Apenas sou obrigado a responder-lhes quando eles me processam em nome do Estado e com os dinheiros do Estado, mas para benefício próprio da conquista e manutenção do poder, com o minúsculo dos compadres e comadres que se auto-reproduzem em abortos clientelares, a coberto das seitas do venha a mim o reino do regabofe, usando o Orçamento de Estado como barriga de aluguer.


11
Que o ano seja Bom em vez do Mau. Basta não elevarmos a causa do estado a que chegámos à falsa categoria de Messias, mesmo que todos os dias se autoderribe do andor do estadão a que o levaram. Basta rasparmos o verniz altissonante que lhe recobre os pés de pau...