a Sobre o tempo que passa: Diálogo “Vencer por si”. Por Teresa Vieira

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

31.12.10

Diálogo “Vencer por si”. Por Teresa Vieira


(Tradução directa por &e& Moreira do texto inserido no livro Contemporâneo pp.307 e ss. Ed. Lota Continua)


- Já alguma vez viveste uma experiência de vida política activa?
- Já. Já fui eleito até como independente.
- E declaraste ter saído dela desiludido?
- Sim, declarei por sinais.
- Mas denunciaste mesmo?
- De que género?
- Por exemplo, dizendo que estavas esfomeado de oposição.
- AH! Agora assustaste-me. Julguei que querias que eu dissesse nomes.
- Não pá, só se tivesses dito quem nos governa, por um lado, e quem não os controla, por outro.
- Nada disso pá!, lutei por causas enquanto lá estive: por exemplo, contra a caça, contra os delitos de opinião à tarde, contra o aborto clandestino pela manhã e depois, agora, depois de desiludido e na qualidade do que sou, recuso homologar seja o que for.
- E como não homologas?
- Ó pá! Basta acordar tarde como é o meu caso. Como sabes as homologações são pelas 9.35h e eu só me levanto às 11h.
- E agrada-te essa vida que levas agora?
- Qual vida?
- A de gerires a política por fora.
- Olha, depende. Já fui dentro algumas vezes, mas saio sempre com a pulseira e residência permanente o que me não incomoda já que nunca tive outra para além daquela onde resido.
- AH!, não?
- Não, claro que não. O que ouviste era tudo mentira. Tudo, tudo mentira. Eu só ia a Gibraltar para alcançar África. Luanda ou assim…e ajudá-los. Muito.
- Vê bem as más-línguas. Ouvi dizer que tu até vivias como se acreditasses naquela coisa da ex-política que tudo limpa.
- Olha meu amigo, fica sabendo que eu pertenço àqueles que sempre lutarão no interior do poder, mas para o denunciar às possibilidades de alternativa, e estas conhecem-me tão bem o empenho que, de quando em vez, lhes escrevo os discursos.
- Bolas! Então voltaste à política activa?
- De certa maneira sim. Aliás nunca tive rupturas de vez.
- E o que achas do 2011 que vamos ter?
- Ó pá, a cultura de esquerda deve ser entendida pela esquerda e a de direita pela da direita e a do centro deve guardar o estigma e a vantagem da cultura vitoriosa. Depois, amanhã, quando já for 2011, faz-me a pergunta outra vez, ok? É que tenho de arranjar-me para ir para o casino com o resto dos desiludidos que é o único modo de se ser revolucionário à meia-noite, entendes?
- Não.
- Ó pá a tua falta de força é uma tragédia! Bom ano, bom ano que bem precisas!
- Obrigado.
Deixei o Silva e dei comigo na inoperância do monólogo. Será que poderemos dizer que a nossa sociedade prima pela total ausência de algo que se assemelha a um Ambrósio?
Pois não sei. As razões muito simples assustam-me. E eu não quero falar de mim. Parece que já meti água, não é? Vou deixar de ser jornalista, ah!., isso vou. Sou kirkegardiano e pessoano e heterodoxo e muito religioso e…rural anarca e sentimentalmente dependente do povo a que pertenço. Assim renovo os meus votos do déjà dito, feliz ano! E mais vos digo que não esqueçam que a palavra é de origem matemática pois se trata de um percurso de um sólido que volta ao mesmo ponto.
Contudo, tenham presente que existem sempre duas formas de conceber a marcha para o futuro: a de ir e a de não ir.
Por mim desejo-vos outra: a de “Angelus Novos”!