a Sobre o tempo que passa: A cicuta orçamentada ou a cápsula Fénix?

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

18.10.10

A cicuta orçamentada ou a cápsula Fénix?



E lá acordamos para mais um dia de triste e vil tristeza orçamentada, nós, os servos da gleba hipotecária, sem direito a enfiteuse, a emigração ou ao pé-de-meia, para podermos gritar que não foi o fascismo que voltou, mas um devorismo patrimonialista e neofeudal, com um estadão armado em mercantilista, tecendo loas ao superministro de sinal na cara...


Se este orçamento passar, sem mácula, em nome do calculismo das presidenciais e da futura alternância da velha manha politiqueira, receio que o sonho da nação, da república e da comunidade passe por um programa espiritual de extinção do Estado, cada vez mais cão de guarda de interesses, alimentado por impostos...


Estamos como nos primeiros vagidos do século XX, quando Fernando Pessoa alinhava na greve académica e Afonso Lopes Vieira traduzia Kropotkine. Foi nessa onda de anarquismo místico que se forjaram as éticas de convicção que ainda nos podem regenerar, se começarmos pela única essência que nos resta: o indivíduo diante do infinito!


Pobre de mim, tradicionalista, que apenas sonha corrigir o desvio absolutista que nos levou ao desespero das revoluções, quando sempre precisámos de revoluções evitadas, como foi a inglesa e a norte-americana e como o tentou ser o nosso cartismo, nessa velha arte do regime misto, como o foi a república romana que resistiu ao cesarismo. Logo, subscrevo a necessidade de extinção deste estado a que chegámos...


Antes de Mouzinho da Silveira não havia hipótese de greves como a prometida pelo sindicato dos trabalhadores dos impostos. Há quem tenha uma solução à maneira medieval: contratar os fiscais da EMEL para o efeito, ou, então, os chamados "cobradores do fraque". Os adeptos do progressismo, podem fazer um concurso público internacional e arrematar a tarefa a um parceiro qualquer da União Europeia.


Já os judeus detestavam os publicanos, tal como hoje muitos consideram que o Estado a que chegámos em forma de estadão, constitui uma entidade ocupante da república e, portanto, um estrangeiro, quando, para citar Merkl, a política de multiculturalismo falhou redondamente. E não é por acaso que os multadores da EMEL raramente são autóctones...


Entretanto, outro nosso indígena, Marcelo, em directo, vindo do Maputo, anuncia recandidatura de Cavaco e viabilização do orçamento pelo PSD. Havia os prognósticos depois do apito final. Desta, têm que ir à falência todos os apostadores. Porque deixou de haver risco. Antes de o serem, as coisas já o eram, conforme a tal ideia de suspensão da coisa.


Os anúncios de Marcelo revelam o velho branco é, galinha o põe...mesmo que esteja choca! Que choca...vem de chocallho, evidentemente! Tem a ver com aquela alimária que vai para a arena em regimes de toureio que não admitem a morte do bicho em directo. É pela calada, atrás do palco, que o transfiguram em bife...


Há quem diga que esta mistela, o tinto a martelo do orçamento, deve ser tragada porque pode ser cicuta, para envenenar o dito, numa espécie de embuiçamento. Não sou a favor destes sucedâneos de regicídio e sempre recordo que o homónimo de Atenas não foi suicidado pelos adversários, auto-extinguiu-se para cumprir as leis da "polis", incluindo as más, para dar o exemplo.