a Sobre o tempo que passa: Ninguém exercita a palavra que o faz viver sem um pedaço de sol que lhe dê alma

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

16.6.10

Ninguém exercita a palavra que o faz viver sem um pedaço de sol que lhe dê alma



Há sinais de memória viva que se podem sonhar, sem fantasmas nem ditados cheios de preconceitos, desde que sejam livres dos grilhões das palavras obsessivas. Há muitos séculos de saudade e âncoras ainda mais fundas que nos dão a esperança, pelos séculos do sempre.

Pode voltar o sol e chegar a fundura da noite, mesmo que amargos sinais nos salguem o poente. Quando apetece peregrinar contra a viagem do sol porque navegar é preciso, viver não é preciso.

Para que as palavras não sejam algemas de retórica, há o segredo de ser sem o dizer. Para que as palavras sejam confiança, têm que ser semeadas com ternura, pedra a pedra, semente a semente, ao abrigo da ventania... E assim voltarão os sonhos, daqueles que se recordam quando acordamos, e que apetecem reviver.

Ninguém se faz à estrada sem um sinal que lhe dê procura. Ninguém exercita a palavra que o faz viver sem um pedaço de sol que lhe dê alma

Não há felicidade, há momentos de felicidade; e di-lo quem,graças aos deuses foi tão feliz que, algumas vezes, até teve a ilusão de atingir a plenitude. O que aconteceu quase sempre por acasos procurados; onde, procurando sempre o transcendente, fui docemente situado por um tempo que teve lugar, em circunstâncias que meu eu não promoveu.

Apenas aceitei os desafios; e, sem o querer antecipadamente, tive a graça de navegar, porque tinha as velas prontas para navegar; navegar é preciso, navegar foi belo; e há-de ser, em sempre;basta que as velas estejam prestes, para que o sopro me toque nos lábios e volte a renascer, indo bem além do preconcebido ou do sonhado; sempre preferi o encanto da aventura, ao planeá-la num caderno de rotas, agendas e calendários;

E tudo o que, de melhor, vivi, mesmo em plural, foi vivido em acontecimentos que nunca se repetem, com seres que nunca mais se repetem; até o meu, que não sou o que fui nem voltarei a ser quem julgo que sou.

PS: Porque passaram quatro meses. Mas a Ana Continua aqui.