a Sobre o tempo que passa: novembro 2009

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

30.11.09

Antes do desmontar da tenda de Belém e de acabar a estada no miragem...


A pátria está de tenda montada diante da Torre e vai dormir ao miragem, com muito Colombo, mas sem furo no ovo nem bons selvagens. Até ao desmontar da feira da imagem, até batem leve, levemente. Não é apenas chuva, nem apenas gente. A neve vai caindo e o degelo não vem. Prefiro comemorar a Restauração, porque sem 1640 não haveria Brasil, como assinalava Agostinho da Silva, na sua eterna metapolítica.

Estes longos directos, vindos da cimeira, se confirmam Portugal como excelente mestre de cerimónias, contrastam com a putrefacção institucional interna, mas fazem-me recordar que, em termos de política externa, vale a pena o consenso nacional, em ritmo de fado com saudades de futuro...

Contudo, não podemos esquecer que Assembleia da República demonstrou que o governo tem apoio apenas minoritário. Sócrates qualificou este activismo da coligação negativa como "governo de assembleia". Apenas veio confirmar que até agora vivemos em assembleia de governo. Ou melhor, tivemos governos e parlamentos de directório partidário, em regime de chanceler, ou de presidencialismo de secretário-geral absoluto, odiando forças de bloqueio...


Porque absoluto quer dizer "ab" mais "solutus", isto é, solto, em soltura, sem controlo pelos contrapoderes da velha engenharia de Montesquieu. "Checks and balance" é o velho e eterno nome da democracia pluralista, o exacto contrário do centralismo democrático, herdeiro do jacobinismo...


Poder em soltura, sem controlo, é governança livre das leis que ela próprio pode fazer, bem como governança onde tudo quanto ela diz é lei, mesmo que o diga em propaganda de corredor ou de átrio, como "slogan" de telejornal. Sócrates II não é Sócrates I e o queijo limiano da barganha subiu de preço: já custa qualquer coisa que se situa entre o bloco central e o portas do dito, dado que Dimitrov já era...


A não ser que as oposições que temos deixem o governo governar, como aqueles jogos onde o vencedor resulta da mera falta de comparência do adversário. Em todos os casos, quem perde é o povo, assim dependente de uma coligação negativa e da consequente hierarquia daquelas potências a que chamavam forças vivas e que, em muitos casos, coincidem com os chamados "empresários do regime".

Mas vamos esquecer o défice, o endividamento e os governadores civis que ascender ao Olimpo por perderem as eleições. A comarca experimental do Baixo Vouga continua a mobilizar recursos em cauções para o erário público, naquilo que os do costume chamam divertimentos...


O Estado a que chegámos é cada vez mais um Estado Novo que afinal é Velho. Quer, pelo decretino, rever a história e, enredado na literatura de justificação, junta salazarismo e estalinismo, sem reparar que só é novo aquilo que se esqueceu, que só é moda aquilo que passa de moda. Tem a cara dos governadores civis, vive das posses e das eméritas medalhas de homenagem...

Há salazarentos que odeiam Salazar só porque ele era mais inteligente e mais honrado do que muitos dos ministros de tal regime. Infelizmente, até hoje só conheci, entre os insignes ficantes do dito, patifes inteligentes, honrados burrinhos e emproados de província, com gravata e restos de brilhantina, todos cheios de rebentos da ultra-esquerda, chamando fascistas aos dissidentes face ao obediencialismo, só porque conseguiram enrodilhar os situacionismos posteriores e odeiam as lealdades básicas que seguem as ideias de obra ou de empresa...

26.11.09

As redes em rede, ou de como, sem "glasnot", a "perestroika" é uma farsa


No dia em que saem novas sobre a acusação ao grupo BPN, e continuam as do sucateiro, classifiquemo-las apenas como o normal anormal da sociedade aberta e pluralista, federada pela partidocracia, que começa a transformar a democracia numa democratura, que, entre nós, vive do devorismo, do rotativismo, dos salazarentos e do bloqueio central dos partidos ditos do arco da governabilidade, que, atendendo a recentes exemplos do Bloco de Esquerda (sic, não é gralha, tem nomes, datas e alinhamentos), em redes mais difusas, parece alargar-se.

Há uma rede de micropoderes, de poderes centrífugos, locais, familiares e regionais, com uma variedade de conflitos, dotados de articulações horizontais, mas onde também surge uma articulação vertical, uma integração institucional dos poderes múltiplos tendente para um centro político, para um poder centrípeto.

Entre esses vários micropoderes, importa salientar os chamados poderes difusos que actuam pela persuasão e pela sedução. É o caso do poder dos meios de comunicação social, dos "mass media", dos suportes da difusão da comunicação, como é a imprensa, o rádio e a televisão, a quem têm chamado o quarto poder.

Mas actividade de todos estes grupos não se processa no vazio, mas antes dentro de um quadro estrutural e de acordo com certas regras do jogo. Há, com efeito, uma estrutura de rede (network structure), uma relação de relações, uma rede de micropoderes, um macrocosmos de macrocosmos sociais.

Há um poder político, um campo concentrado, uma governação que trata de coordenar o processo de ajustamento entre os grupos, procurando um ponto de equilíbrio entre as tensões. Neste sentido, o Estado é perspectivado, não como uma coisa, mas como um processo relacional, entre a sociedade civil, ou comunidade, e o aparelho de poder, como o mero quadro estrutural de um jogo entre forças centrífugas e centrípetas, toda uma miríade de poderes periféricos, não necessariamente hierarquizáveis como corpos intermediários, que se justaporiam, de forma complexa, pelo que a soberania, na prática, seria divisível e, sobre o mesmo espaço e as mesmas pessoas, não teria que haver o centralismo e o concentracionarismo de uma única governação.

O político é uma invenção marcada por uma estratégia que globaliza várias micro-estratégias, onde há uma especial forma de poder, o poder político, a síntese emergente, integrante de vários micropoderes, onde uma multiplicidade de actores actua numa determinada unidade, em quadros estruturais, em circuitos institucionalizados.

Quem ontem tivesse espreitado a bela e caríssima revista que era distribuída gratuitamente com um quotidiano dito económico, compreenderia a anarquia ordenada onde vivemos e deveria poder consultar um qualquer manual de grupos de pressão e grupos de interesse: a revista era um golpe promocional das redes ditas escritórios de advogados, com fotografias aliciantes dos casamentos que as originaram.

Por mim, pouco dado à inveja, até porque fui convidado, ainda menino e moço, para uma delas e nem sequer sou consultor de nenhuma, apenas me apetecia fazer parte de uma qualquer escola de ciência política que fizesse mesmo ciência política, isto é, medição da falata de autenticidade do poder, e tratasse de inventariar as redes em causa, nomeadamente na ligação à partidocracia e à estrutura banco-burocrática...

Apesar de tal grupo de investigação poder receber não sei quantos processos, seria fácil fazer a ligação dos patrões de cada uma aos principais partidos, do PS e PSD ao próprio CDS, isto é, aos partidos de ministros, às universidades, privadas e públicas, e aos principais clubes de futebol. E não me afligiria que fosse útil para o povo conhecer as avenças e as consultadorias das mesmas, sobretudo no tocante a clientes ditos públicos, semipúblicos e participados, com muito "outsourcing" até na feitura de leis.

Depois de me actualizar com as belas fotografias promocionais, fui capaz de ter visto concentradamente todos os que movem campanhas contra o discurso de Marinho e Pinto, esse elefante da palavra nesta bela loja de loiça. Por mim, apenas preferia legalizar os grupos de pressão e os grupos de interesse, evitando a concorrência desleal.

Sugiro que a Autoridade da Concorrência cumpra a lei e promova um adequado inventário das eventuais posições dominantes. Nesta época de globalização, é absurdo manter-se um tipo de estatuto que nasceu para os profissionais liberais da "belle époque"...

A mesma técnica de transparência poderia ser aplicada aos júris universitários, às eleições de reitores, às indicações de deputados e a todas as efectivas redes de poderes que andam por aí a fazer discursos de "perestroika" quando nem sequer lançaram a "glasnot". Eu vou transformando em fichas esse galgar destrutivo de estruturas que, até há pouco, estavam ainda marcadas por certos restos de justiça e meritocracia. Um dia, breve, abrirei o livro. Pode até ser quando estiver em público com um dos agentes vérmicos ao lado.

Precisamos urgentemente de um pequeno livro equivalente ao que Maria Belmira Martins emitiu pouco antes de 1974 sobre "Sociedades e Grupos em Portugal", aplicado à banca, à burocracia, aos advogados, aos partidos e às redes empresariais místicas, isto é, às que nacionalizam os prejuízos e privatizam os lucros. A sucata gira e até pode revestir a forma armilar da imagem, assim em ritmo de lusotropicalismo...

25.11.09

Começamos a ser todos coveiros do regime, porque obedece quem não deve e manda quem não pode


Disse, há dias, que hoje não ia à procissão da homenagem, segundo aquele novo catecismo que é tão velho quanto as coisas velhas que sempre foram antiquadas. Prefiro respirar neste verbalismo de símbolos que, tendo um motivo existencial de revolta, pretende apenas ascender ao categorial, para que cada um fixe a metáfora num dos muitos lados que nos vão pesando em servidão. Nem tenho que dizer das razões deste permanecente concentracionarismo, feito feira de vaidades. Basta notar que há uma natureza das coisas e, por dentro das coisas, é que as coisas realmente são. Ponto final. Com parágrafos seguintes.


Até podemos peregrinar por outros sítios do mesmo "pagus". Basta notarmos como presidente Cavaco está a recuperar: o assessor de imprensa subiu na escala hierarca das honrarias de Estado, as sondagens já lhe dão recuperação, o sorriso do enigma já venceu o ritual do tabu. Também o processo Casa Pia comemora o quinto aniversário da sua dilatória e legalíssima falta de leitura de um conjunto de estudos editados em meados do século XX pela Ordem dos Advogados, do tempo dos Adelino da Palma Carlos, quando se fazia o cruento retrato do tempo que afinal seria prospectivo... Uma tal de administração da justiça anterior à chegada à pasta de Manuel Rodrigues e que agora é de quem continua sem dizer nada...


E depois há sempre parelhas que se passeiam em música celestial. Um e o outro, como o Dupont e Dupond. Os tais que vieram do mesmo sítio mental e sociológico, mesmo que as arestas do quadrado pareçam fazê-los em não coincidência. Que se cruzaram, em memórias, numa casinha da Rua de D. Pedro V, onde o colega de gabinete de um deles dava repastos espirituosamente vivos aos seus colegas de menos posses, e mais poses, quando já havia imagem, sondagem e sacanagem. Como todo o agora deste pantanal. Uma parelha que é paradigma de muitos mais uns e outros, que nada tiveram a ver com a libertação ocorrida em 25 de Novembro de 1975. Que um estava bem longe, por ter sido dignitário da coisa que felizmente já não há, desfeita em apodrecimento, por durar e durar em provisório. Que outro, mero familiar da mesma coisa, não tinha seguido o recuo de Cunhal e estava na vanguarda do golpe contra a democracia pluralista, simbolizada por Ramalho Eanes e Melo Antunes.


A parelha em causa, sem ser em ficção, pode ter o monopólio da palavra e, em certas secções do aparelho do poder, até o monopólio do poder, só porque uns e os outros fingem que são irmãos-inimigos, quando efectivamente sempre estiveram aliados na intolerância, no fanatismo e na persiganga. Nunca direi seus nomes inteirinhos, até porque não interessa, a não ser no simbólico. Até nem os direi quando voltar a haver vergonha, mesmo que não venha a justiça. Prefiro que os idiotas úteis não percebam a finta em que caíram, só porque puxa por eles aquela pretensão de honrarias, as tais que duram tanto como o bafo de vindicta.


Ainda há verdadeiros exemplos do século do dogma. Que um silenciou assassinatos políticos de adversários e ainda continua a invocar as teorias bafientas da razão de Estado, dos segredos do dito, e do realismo que o pariu, com milhares de mortos nas encruzilhadas da ditadura dos factos. O outro, pensando que o não subscreve, apenas pensa que é a história que faz o homem, em sucessivos revisionismos do pretenso sucesso de vencedores, mesmo que pareçam o que não são, um quarto de hora antes do vazio infinito, do infinito que nunca procuraram. Ambos poderiam ser as duas faces de Jano, neste comemorativismo coveiro do regime. Aquele que continua a dizer que manda quem pode, obedece quem deve. Ele, o senhor ninguém, é que manda mesmo. O súbdito que o quer ser, apenas obedece e agradece, unidimensionalmente.


Entre um jacobino dito de esquerda e um jacobino dito de direita, a revolta dos que são fiéis aos mortos do 25 de Novembro de 1975. Que não são apenas mero dano emergente, mero efeito colateral, para que, depois de esquecidos, se continuem os desmandos dos regicidas de praça públicas, ou dos silenciosos democidas de alcatifa. São todos daquela velha classe hegemónica capitaleira que quer continuar o genocídio social da injustiça. E todos eles somos nós. Cadáveres adiados que não procriamos nem nos vemos ao espelho.

Do natural código de honra. De M. Teresa R. Bracinha



Quem olhar de frente para uma célula solar, verá uma pupila e uma íris e uma retina e um nervo óptico. Refiro-me ao olho humano onde se abriga também e reagem os sinais da honra. Caminha ela sobre um líquido translúcido e é devota da ressurreição e dos princípios cósmicos e nunca propriedade de uma seita ou religião ou manto de regras.


Foi-lhe dada uma outra natureza, uma natureza que capta o funcionamento do invisível e que deveria constituir medida comum ao homem.


Pasmo sim, que tão pouco se fale hoje de uma vida limpa, de uma vida bastante, através da qual a palavra de honra - protesto verbal com que se afiança a realização de uma promessa -, nutrisse o plexo solar que chamasse à consciência a responsabilidade do grupo, no perfazer do grande propósito de repor as causas.


O código da honra decorre, tal como o entendemos, de uma certa qualidade do sagrado dentro de cada um.


Para nós ele chega a entrar em conflito com inúmeras regras e costumes que o não interpreta, sobretudo quando aviltado como uma consciência individual ferida de saque, como uma hombridade sem género na defesa, como uma agressão às leis da natureza que uma qualquer brutalidade não define.


Será que o relativismo na nova interpretação unificada atingiu o significado da honra?


Será que as sínteses a abandonaram numa infalível demonstração de poder raso?

Será que não se teve em conta que o que se fez à honra fez-se à vida e que o que provém desse facto criminoso não está aqui nem ali, mas antes desintegrado do que os homens já não vêem, nem sentem?


Será que de tanto ver triunfar a nulidade e medrar a desonra e a injustiça, tornou-se humano desanimar a virtude, expurgar a energia da honra e envergonhar-se de se ser honesto?


E eu que tenho para mim que a primeira qualidade do estilo é a clareza, e eu que não vivo atrelada ao desalento, quero acreditar que quem não deixe de procurar a tal célula solar até que a encontre ou reencontre, será esse o maravilhado que aperta a vida num equilíbrio de corpo mental, intuitivo, desdobrando poderes de filiação planetária e se responsabilize, enfim, pela parte que lhe cabe na vocação do destino dos homens.


Que eu saiba um dos opostos da honra é a desonra (ou opróbrio). Digam-nos então, os que julgam dominar pela ignomínia qual a razão que os leva a gemer no trabalho de parto do maldoso nada que expelem? O apelo à generosidade alheia ou a espera de uma honra actuante e solidária?


Sei sim, que as pessoas que manipulam a seu favor e único proveito tentam impedir o processo imaginativo, aquele que me dá a honra, a distinção de partilhar a minha actividade clandestina e assumi-la à luz do dia em campo de honra, em campo de batalha.


Às vezes, parece que as pessoas retomaram o medo de falar. Mas se o não fazem, é também por falta de coragem. Não é culpa do sistema, é culpa das pessoas além da imensa dificuldade em compreenderem tudo aquilo que as condiciona: e cada vez vejo mais sinais que indicam a luminosidade deste pensar de Shakespeare:


“Existe uma espécie de homens de rosto severo e ar afectado, indiferente, com a imobilidade dum pântano, que se mantêm num silêncio obstinado para ganharem reputação de sabedoria, de gravidade, de profundo pensar. (…) Alguns gozam de fama simplesmente por não dizerem nada; e estou certo de que, se falassem, fariam o desespero dos seus ouvintes, os quais, só de os ouvirem, considerariam os seus semelhantes loucos.”


Permito-me acrescentar: tens um papel à frente, estás justificado. Não se passa nada. Do natural código de honra retiras a norma que culpe os outros. É essa a tua dimensão nacional de pessoa.



M. Teresa R. Bracinha
25.11.09

24.11.09

Partidocracia, democratura, salazarentos e maneleirismo socrático


Não! Não digo o que fiz ontem, anteontem, ou hoje, que o tirador de fotocópias já mandou quem aviava bicas pedir ao sôtor engenheiro que pedisse ao magalhães do filho que pusesse logo na pen o que aquele escreveu contra cá a gente, cá gente é que é a única que trabalha, porque é a única que processa e o processa, isto é, a única gente que vai ocupando o vazio de poder das grandes e gloriosas reformas de Estado...


Mais foi bom estar ontem com mais velhos. Até aprendi sobre os meandros do negócio universitário e da grande academia e do grande e enorme ex-ausente que está presente, com um mercedes preto, uma secretária de pau preto, um assessor de imprensa de carne e osso, e muitos e muitos e muitos operadores de reprografia dos dito serviços, entre os quais os tradicionais abóboras do alimirantado, do almoxarifado, do escutadorizado...


Digo antes alimentarado, almofadado, ou a esquizofrenia passadista de uma pretensa glória pretensamente monopolizadora de um ideal onde, na prática, a teoria é outra, sobretudo quando impera o dogmatismo maniqueísta que pelo bolor da patifaria quer fazer pão das rosas...


Basta que à pretensa verdade se junte a gula devorista do poder pelo poder, só porque tem a mania de confundir o monopólio da palavra com o monopólio do poder...


Quem assim pensa que vence através do estrondo da solidão, depressa vai aperceber-se do desastre, onde vencer é pior do que ser vencido, neste mais do mesmo que nos enreda e degenera.


A única esperança, capaz de mobilizar este animal de discurso, é a urgente racionalidade complexa, que dê valores ao delírio finalístico dos pretensos homens de sucesso, com amigalhaços, clientes, coleguinhas, espiões e toda a fileira de serviçais que nos embaciam a capacidade de avaliação do mérito... A besta continua impune, sem remorso.


Também vi o Prós e os Contras de ontem, como, antes, assisti cuidadosamente ao testemunho de Saldanha Sanches na SICN. Gostei do juiz Ricardo e do ex-juiz Albuquerque. Já conheço os argumentos do Bastonário. Apenas concluo que a solução está em partes do problema dizerem que têm solução. Basta um furinho no Ovo de Colombo. Mas não mandem assassinar Cícero.


Continuo a detestar César e a mulher de César. Aconselho-o a desconfiar de Brutus. Prefiro Cícero, especialmente quando cresce a pulsão do despotismo de Césares de Multidões. A partidocracia dominante, porque o sacristão perdeu o sentido dos gestos, acabou ontem a distribuir mais uns "jobs for the boys... and girls", depois de mais um acordo criando mais "olds" na mesa do orçamento.


Como dizia o juiz Ricardo, tudo começou nas viagens-fantasmas dos nossos novos "sanbenitos". Tudo começou com uma questão de economato e almotaçaria, por causa da permanecente questão das subsistências, onde o pão político já não é o regime cerealífero, mas os sucessivos nomes dos fundos estruturais, do betão negro ao verde da entropia...


Entropia é a quantidade de energia gasta numa mudança que fica para sempre na zona do desperdício. É linguagem de Clausius que era físico e tudo. Aprendi com o Fernando Carvalho Rodrigues...


Uma década antes de ascender à ditadura das finanças, o futuro filósofo-ditador do novo despotismo esclarecido, escreveu duas obras de acesso à carreira docente, onde nunca se doutorou, sobre questões concretas de regime: as subsistências e o pão político. Pintou de beato o pombalismo e continua a iluminar alguns dos pretensos teóricos daquilo que para eles sempre foi uma democratura...


Por outras palavras, é a chamada falta de autenticidade dos freis tomás, olha para o que ele diz e não para o que ele faz. Logo, a moral desta decadência é a do sapateiro de Braga: como não há moralidade querem todos comer os restos do tacho. O bloco central já não é o do PS-PSD é o dos salazarentos de todos os regimes que se unem em música celestial e revisionismo de literatura de justificação.


O ovo de Colombo é só um furinho na engrenagem: fazer com que a dona inteligência, disfarçada pela engenharia de conceitos do decretino, volte a juntar-se em união de facto, com a dona honra, dos que vivem como pensam sem pensarem como depois disso irão viver.

22.11.09

Eu li, Jorge. E fui lá cima, à raiz do mais além. Obrigado!


Morreu como viveu, combatendo. Morreu, vivendo, até ao último grão de esperança da sua existência. Quem diz que não em nome de princípios é quem não renuncia, mesmo que resista em dissidência. Jorge Ferreira, venceu a lei da morte, em nome da lealdade básica.


Estive por estes dias a centenas de quilómetros da Igreja da Penha de França e do cemitério de Oeiras, e mais me doeu a memória da última visita que lhe fiz ao hospital. Na cama, em sofrimento, mas sempre em sorriso, de portátil e ligação à Net, com a televisão em permanência, o Jorge continuava a lutar como todos íamos lendo no seu Tomar Partido e no Facebook.


Não o conheci em coincidências facciosas. Bem pelo contrário. Conheci-o fazendo faísca de divergência de barricadas e, na última fase em que fizemos política juntos, continuámos em divergência de táctica. Por duas vezes renunciei a uma formal militância graças à força que ele fazia do outro lado. Por isso, tenho a legitimidade de reconhecer-lhe aquele profundo companheirismo dos que têm sentido de luta.


Inteligente e honrado, duríssimo na argumentação, rápido no discurso e certeiro na palavra escrita, aliando, a todo o movimento, um profundo sentido informativo, foi capaz de ascender ao estrelato político e de, com honra e inteligência, abandonar tudo, em nome da lealdade e da coerência. Não era homem de poder, porque mesmo quando estava no poder era a plenitude do antipoder. E o mesmo ardor que me fez divergir dele, também me obriga, agora, a reconhecer que sempre mantivemos uma íntima aliança de grande estratégia e uma profunda comunhão de princípios, especialmente quando nos encontrámos brevemente num projecto que um qualquer realista, como éramos, qualificaria como impotente. Mas respondemos à chamada, sujando as mãos nos compromissos...


Ficará por fazer a história de um homem de Abril, da direita de Abril, do militante e do deputado, daquele que foi precursor de incómodas comissões de inquérito ao poder bancoburocrático, mesmo contra os interesses do financiamento do respectivo partido. Porque nunca foi feitor de nenhum interesse, mesmo quando os papéis da verdade desapareciam dos arquivos do Estado. É preciso contar toda a história, em nome da verdade, da efectiva perseguição que sofreu, em nome das causas e dos compromissos com a verdade que sempre o marcaram. Um resistente, ternamente amargo, mas que foi capaz de ascender à mais humana das metafísicas, diante da noite que lhe dará eternidade.


Falemos de outros sítios, Jorge. Nos últimos dias de Outubro, lia o seguinte no teu blogue: "Depois de notícias inesperadas de fim noite, de uma vagas, mesmo vagas leituras de fim de noite, de uns quantos devaneios de absurdo silêncio pelas fraquezas da vida e pelos sortilégios de umas sirenes anónimas algures entre sinistros longínquos e para mim anónimos - curioso como um sinistro que não vemos é para nós um sinistro anónimo que não existe portanto - reencontro, lento, seguro, progressivo, com o alastrante silêncio da noite que nenhuma palavra derrota, nenhum som contamina, apenas um pombo aqui à entrada da janela do meu quarto vem perguntar de mim. Pisco-lhe o olho. Ele, impávido, fita-me. Nem uma inesperada migalha de pão parece ter força para afastar o olhar fito desta criatura do meu olhar fito no olhar fito nele. Ou será o breu que lhe furta a migalha? A noite, há-de, pois resolver. Ele não resistirá à migalha. Eu sei, é a natureza. Eu, sucumbirei a contra-gosto à força irresistível da pálpebra que quebra. Eu sei, é a natureza."


Imediatamente te fiz um comentário que, dessa, ficou solitário: Eu li, Jorge. E fui lá cima, à raiz do mais além. Obrigado.


Voltei a ler o teu último texto, da passada quarta-feira, um dos 7 904 postais que editaste: Não está escrito em lado nenhum que o biorritmo só cresce. Também desce. Hoje é o caso. Pronto. É questão de esperar. E recomeçar. Com a fotografia nova que recebi no telemóvel e que apaguei com o meu providencial jeito para as tecnologias. Vem outra a caminho, para a montanha russa recomeçar a subida até aos céus infinitos da eternidade.


Redigo para sempre: Eu li, Jorge. E fui lá cima, à raiz do mais além. Obrigado. O Jorge recomeça em cada um dos que nele acreditaram e confiaram. Eu sou um deles. E para sempre.

21.11.09

Jorge, sempre!

Jorge, por ti, tomaremos sempre partido!

20.11.09

O presidente primeiro


Herman van Rompuy, com blogue e "facebook" (donde vem a foto)

Entre a mestria da mátria e a memória do elefante


Dizia anteontem, em "mail" privado, uma importante figura da literatura nacional (Lídia Jorge) sobre um texto aparecido num blogue: os seus textos "não são apologéticos mas incitam a uma harmonia que caiu em desuso desejar em público". Fiquei com tanta inveja de tal pensamento da escrita em forma de blogue (M. Teresa R. Bracinha)... Claro que sei reconhecer a leveza da metafísica e a mestria da mátria.


Por contraste, ouço que um alto paradigma da administração deste guterrismo socratino emite constantemente esta ameaça: "o gajo vai pagar-mas todas e com juros!". Apenas concluo que o crime continua a compensar. Excluo das escutas o brejeiro modelar com que se emite o assédio... É o estado a que chegámos, ao rebaixarmos os fins do político.


E nos interstícios da vontade de poder, lá vão subindo os híbridos, especialistas na face oculta do realismo do poder. Levam e trazem, trazem e levam. E dizem sempre que não há justiça porque ninguém deve dizer o que pensa. Muito menos nos jornais, nas televisões, nas rádios, nos blogues e no "facebook". Hão-de todos mandar no deserto. Ou na paz dos cemitérios.


Antes de serem escravos já são súbditos, no sobe e desce das sobras da mesa do orçamento. E olham-nos com ar de pena pelo desaproveitado da sua inteligência. Esquecem que vale mais a honra. Porque esta é a que deixamos em herança. Ninguém de boa educação, homem livre e de bons costumes, diz aos filhos para eles serem como aquele senhor político ou aquele senhor sucateiro...


Se ocorresse um acidente nuclear na raia do Tejo, não sei como a informação chegava em rapidez aos palácios do poder capitaleiro. Talvez fosse melhor telefonar, ao mesmo tempo, a um qualquer jornalismo de investigação... O centro continua inundado de problemas secundários e pode ser que o Bin Laden trate de aterrar de avioneta na face oculta do Terreiro do Paço...


A rainha Isabel II tem a sua Nova Zelândia como o país menos corrupto do mundo. O futuro presidente do Conselho Europeu, Herman Van Rompuy, é do rei dos belgas. A alta representante para a Política Externa da União Europeia é Catherine Ashton, cidadã da mesma Isabel II. Monarquias democráticas que, sem ser por acaso, são paradigma. Parlamento e rei fundaram a democracia ocidental. Valete, valete, valete!


Quanto mais democracia, quanto mais monarquia, menos corrupção e mais variedade de partidos, entre socialistas, liberais e conservadores. Uns, desde os finais do século XVII, outros, desde a moderação demoliberal da primeira metade do século XIX. Todos com a mesma ideia que vem de Newton e inversamente proporcionais à utopia revolucionária, com mais sociedade e melhor Estado. Liberais e espirituais. Em tradição.


Infelizmente leio: "Uma pessoa que até há cerca de um mês foi secretário de Estado adjunto do primeiro-ministro. Ou seja, um membro do Governo muito ligado ao primeiro-ministro. As pessoas podem dizer que isto não tem problema de maior, afinal todos os dias o Governo nomeia pessoas para empresas públicas". Concordo com estas frases, vindas de um ex-ministro de Cavaco e ex-presidente do PSD. Mas acrescento: Isaltino de Morais não devia ter posto quem agora escreve tal contra Sócrates naquilo que era a Universidade Atlântica. Apenas qualifico tais frases como parcela do autoretrato de quem, nisso, já deve ter pedido o estatuto de arrependido. Não lhe ponho o nome de autoria. Os perseguidos da Fábrica da Pólvora reconhecem-no em tal.

19.11.09

Se tudo ficar no congelador do silêncio, daqui a meses é só calhau e bonecada


Rodrigo Santiago, advogado da minha pequena pátria com quem ainda me cruzei nos Gerais, confirma que sucateiro de Esmoriz "é apenas a ponta de um iceberg" de um complexo processo que pode "envolver figuras da hierarquia do Estado" (Jornal I). Infelizmente, o tempo está frio demais para que a neve derreta. Se tudo ficar no congelador do silêncio, daqui a meses é só calhau e bonecada. Outros jornais falam de processo bastante complexo, como se algum processo que envolvesse compra e venda do poder fosse simples e bastasse um manual de direito constitucional ou os conceitos de Martins Afonso da disciplina de "Organização Política e Administrativa da Nação".
É por isso que caímos na partidocracia, la cancrena dello Stato. Não por causa dos partidos, mas pelo vício leninista do centralismo democrático que os infecta. A culpa da falta de alternativas está no grupo de kingmakers do PS que, num restaurante da Curia, deu procuração a José Sócrates Pinto de Sousa. Apenas deu alento a Marcelo Rebelo de Sousa para dizer que, em vez de um Conselho Nacional, deveria haver no PSD um conselho de guardiões gerontocrático. Aquilo a que alguns chamam padrinhos e barões. Acontece que eles já não são os melhores, apenas são fidalgotes de segunda em coronelismo, ao serviço dos ausentes-presentes, especialistas em legados testamentários. Até as pobres universidades gaguejantes já caíram nessa brincadeira de conspiração de avós e netos, com muitos ursos à deriva, depois do degelo.


Apenas recordo algumas coisas politológicas que, há décadas, transmito. O Estado tem de ser perspectivado como um sistema aberto, como uma instituição de instituições, isto é, como um sistema que troca matéria com o exterior e que integra vários subsistemas sociais, com entradas reivindicativas (input) e saídas prestativas (output), e onde a política é mera actividade de harmonização de contrários, obtida pelo consentimento e pela persuasão.


Governar torna-se assim num processo de ajustamento entre grupos, num processo de negociação e de troca, num modo dinâmico de gerir crises, através da articulação de interesses. Porque o Estado é o lugar onde a sociedade se mediatiza, se pensa, tornando-se na instância onde devem regular-se as crises e tensões da sociedade (Rials).


Neste sentido, o Estado aparece como simples parcela de uma mais ampla sociedade política, admitindo-se um político supra-estadual, infra-estadual e a latere do próprio Estado, pelo que será possível conceber tanto a poliarquia de uma repartição originária do poder político por vários corpos sociais, como também a própria possibilidade de uma ordem universal, de uma civitas maxima, de uma sociedade do género humano.

Há, portanto, muito à maneira foucaultiana, uma rede de micropoderes, de poderes centrífugos, locais, familiares e regionais, com uma variedade de conflitos, dotados de articulações horizontais, mas onde também surge uma articulação vertical, uma integração institucional dos poderes múltiplos tendente para um centro político, para um poder centrípeto.

Entre esses vários micropoderes, importa salientar os chamados poderes difusos que actuam pela persuasão e pela sedução. É o caso do poder dos meios de comunicação social, dos "mass media", dos suportes da difusão da comunicação, como é a imprensa, o rádio e a televisão, a quem têm chamado o quarto poder.


Mas actividade de todos estes grupos não se processa no vazio, mas antes dentro de um quadro estrutural e de acordo com certas regras do jogo. Há, com efeito, uma estrutura de rede (network structure), uma relação de relações, uma rede de micropoderes, um macrocosmos de macrocosmos sociais.


Há um poder político, um campo concentrado, uma governação que trata de coordenar o processo de ajustamento entre os grupos, procurando um ponto de equilíbrio entre as tensões.


Neste sentido, o Estado é perspectivado, não como uma coisa, mas como um processo relacional, entre a sociedade civil, ou comunidade, e o aparelho de poder, como o mero quadro estrutural de um jogo entre forças centrífugas e centrípetas, toda uma miríade de poderes periféricos, não necessariamente hierarquizáveis como corpos intermediários, que se justaporiam, de forma complexa, pelo que a soberania, na prática, seria divisível e, sobre o mesmo espaço e as mesmas pessoas, não teria que haver o centralismo e o concentracionarismo de uma única governação.


O político é uma invenção marcada por uma estratégia que globaliza várias micro-estratégias, onde há uma especial forma de poder, o poder político, a síntese emergente, integrante de vários micropoderes, onde uma multiplicidade de actores actua numa determinada unidade, em quadros estruturais, em circuitos institucionalizados.

18.11.09

A luta do Leviatã: ou o horizonte do nosso desprezo. De M. Teresa R. Bracinha


Um dia escutei alguém dizer que a característica dos portugueses em dizer mal de Portugal, reside no facto de se esquecerem de dizer que se Portugal existe tal qual, é para não ser incongruente com os que o criticam sem pudor ao mesmo tempo que se não coíbem de lhe dar um jeito informe. Na realidade, as pessoas em Portugal têm a tendência para culpar os outros dos defeitos de que são titulares.


Em muita verdade, rejeitam o nacional como quem rejeita o que é ou o que foi o seu passado mais remoto ou mais recente, ou como dizia Groucho Marx , saindo do nada, cheguei à miséria, e desta se não dão conta do zero contributo em que teimam.


Confunde-nos que se chame mundo à existência parca e desintegrada onde os alicerces de madeira podre assentam arraiais. Confunde-nos o nanismo inchado de maldade grotesca e ávido de provocar sangue e sofrimento, qual desafio de dança bamba à lei da gravidade.


Para sermos francos, a ânsia destes reles primatas de má estirpe revela-se no rosto seco, não nutrido, de quem a cada hora luta por um mundo imóvel, já que nunca o entendeu em movimento, em mudança, em cor que traz em si o bem, visto este como a percepção de uma cura ecológica do aperfeiçoamento do próprio pensar.


Por incrível que possa parecer, existem escolas calóricas destinadas a estas criaturas que aceitam que as fábricas-escolas interpretem o princípio dos elos não comunicantes e os façam papaguear as ingestões das supostas mencionadas calorias.


Como dizia Almada Negreiros «a alegria é a coisa mais séria do mundo», mas como será possível que os entes que mencionámos a possam entender? Como?, se só sabem boiar do lado de lá do nascimento?


Em Maio de 68, Bob Dylan, referia-se à palavra confiscada e ao escândalo que representava essa situação face aos direitos dos homens. Hoje, ainda hoje, no sec. XXI, este confisco perpetua-se em metamorfoses sucessivas.


Cessou, na maioria, o poder de uma determinada originalidade de Maio, para utilizarmos a expressão de Edgar Morin, e ainda que Maio tenha significado mais do que o que realizou, recortemos na memória as palavras escritas nas paredes da Sorbonne… «Não tenho nada para dizer mas quero dizê-lo».


Diga-se, assim, que a supremacia da imaginação sobre a realidade tem rasgado os horizontes, mas reflicta-se a que preço se tenta mudar um sistema assente num domínio de underground, de onde se comandam vidas humanas e se direccionam as que nunca nasceram, mas que voluntárias aceitam, sem interregno, aplicar as regras do divórcio entre a existência e a consciência, entre a proliferação da cultura e a réplica do espectáculo do absurdo situacionista, sinónimo do congelamento do sentido da vida.


O espaço e o tempo encontram-se saturados. Ao ruidoso ruído que transtorna qualquer equilíbrio, dá-se folga.


O povo desta nação corre sérios riscos de se tornar mero público de um folhetim patético.
As desigualdades sociais clandestinam-se no receio de reivindicarem direitos.


Apesar da grave crise económica, esta não atinge a não-vida que acima referimos, antes, a mesma, se assume e sobressai numa autogestão pidesca transformada em vítima, quando necessário, qual ditador subitamente democratizado.


Mas há quem contrarie os propósitos. Valha-nos a paz da consciência como sempre nos recordou Ruy Belo, valha-nos recordar quando nos falta o mar.

M. Teresa Ribeiro Bracinha
18.11. 09


PS: Imagem picada aqui

Uma fotografia da justiça que nada tem a ver com o texto de outras injustiças que estão fora destes passos perdidos


Houve um tempo em que tive a ilusão de saber direito, incluindo o penal, a melhor das notas que tive no meu curso, e o processual penal, quase na mesma, por causa do entusiasmo que os meus queridos professores Eduardo Correia e Figueiredo Dias me incutiram, em nome da deontologia do Estado de Direito que ainda não havia. O tal que não chegou sequer em 1976, porque o PS cedeu ao PCP de Vital Moreira e todos nos obrigaram a esperar pela primeira revisão constitucional, um lustro depois, enquanto os magistrados, que hoje estão no topo, faziam sua carreirinha no PREC da negra era do pré-Estado de Direito.


Houve um tempo em que fui um deslumbrado jurista, quando pensava haver sentido de missão e deontologia de justiça, de transcendente situado, de dever-ser que é, de "intenção axiológico-normativa" que, além de vigente em licitude, deve ser eficaz comunitariamente e nortear-se por uma validade que esteja além do texto e chegue à raiz do mais além do "Estado-Razão", que é o preciso contrário da "Razão de Estado".
E reforcei a convicção, no estágio que fiz como advogado, com o meu querido e falecido patrono Manuel Fernandes Oliveira, bem como com todos os magistrados e colegas de barra na tertúlia de mestres do café Império e da rua Manuel Rodrigues, sem esquecer as cartas que me eram respondidas pelo bastonário Ângelo Almeida Ribeiro, quando, com a ajuda da Liga Portuguesa dos Direitos do Homem e do Dr. Contente Ribeiro, se praticava o "huzza, huzza, huzza" que, em inglês, quer dizer "viva o rei", enquanto sinónimo de "liberdade, igualdade e fraternidade". Os presos políticos de então bem receberam a força dessa energia e um deles até foi bastonário.


Continuou a haver esse tempo, quando aprendi a ser docente na Faculdade de Direito de Lisboa, na altura em que o saudoso Professor João Castro Mendes espalhava por todos os aprendizes de professor o programa clássico do "alterum non laedere", do "suum cuique tribuere" e do "honeste vivere".


Levei a profissão a sério e nunca fiz dela posto de vencimento, nem com cunhas do gabinete do primeiro para ser assessor numa qualquer empresa de economia mística que pesquisasse petróleo no Beato ou no Berardo. Levei-a tão a sério que ainda tenho o sonho de a voltar a exercer como missão. Para poder viver como penso, sem pensar muito como depois irei viver. Até entrei na corrente e ajudei à sementeira. E orgulham-me muitos dos alunos que hoje já são catedráticos de direito, magistrados e advogados, e até outros que, apesar de juristas, são doutores de outras áreas.


Anteontem e ontem fui mobilizado por dois jovens grupos de doutorados e doutorandos e outros pós-doutorais, em dois sucessivos ágapes de trabalho universitário, onde recebi, deles, com honrosas dedicatórias, as obras-primas das respectivas dissertações e dos trabalhos académicos pós-doutorais. Em todas as sessões, fizemos resistência universitária e exprimimos a nossa revolta face à presente decadência da encruzilhada com muitas conspirações de avós e netos dando tiros nos pés pela basófia dos fracos de que não vai rezar a história. Descansem que não vos nomeio, porque ainda seriam lixados pela oligarquia instalada, tanto do situacioniosmo como do outro situacionismo ainda pior que se opõe ao que agora nos dita em branda, com duras no micro-autoritarismo.


Contei-lhes das desventuras que me sucederam, coisa que o grande público há-de conhecer em forma de breve e contundente livro, quando eles tiverem a ilusão que me esqueci em bruma, e mostrei-lhes a multa de trinta euros com que fui brindado por ter deixado o carro na calçada da Ajuda a menos de cinco metros da passadeira dos peões, mais precisamente, a dois metros e cinquenta centímetros. Não lhes contei das centenas de euros da suspensa, nem da anedota com que continuam a enredar-nos todos os dias.


E foi pensando nisto, depois de uma aulinha dita de direito político, dada conforme o modelo do subtítulo que Rousseau deu ao seu "Contrat Social", e de acordo com John Rawls, que eu fiz o meu dworkiniano "take" dos meus "rights" muito "seriously". Nem sequer sou capaz de soletrar o nome do presidente do STJ, embora conheça no dorso, todos os dias burocráticos, quem mo apresentou, outrora, quando, aliás, lhe convinha, dentro da grande reforma da engenharia de cunhas e baldrocas.


Cheguei à conclusão que, uma vez jurista, jurista toda a vida. Porque obedeço intimamente às tais "leis inscritas no coração dos homens", conforme o discurso de Antígona e os escritos de Marco Túlio, pelos quais os donos do poder tiraram a vida a este último. Por mim, apenas me congratulo, porque o ostracismo ainda não me cortou o pio, nem a língua, apesar de Octávio já ter feito um pacto com o Marco António, apesar de haver Cesário, ou porque Cleópatra tem serpentes.


Contudo, na minha história, como o nosso César, que não se chama Júlio, acabou por não ser assassinado por Brutus, ei-lo que se transfigurou em Nero e, em vindicta contra outro magistrado da República, que não se chama Marcelo, mas onde também coincidem as duas primeiras letras, lá vai continuando a dedilhar a harpa aos bochechos, enquanto incendeia controladamente pedaços de Roma, não por causa dos poemas, mas pelos discursos de música celestial em que vai criando notas-pé-de-página para as suas memórias de justificação. Como dizia o verdadeiro César, o tal que apenas caiu na banheira Dona Maria, ou na cadeira de realizador, o dito continua a fazer maravilhas no espatifar das bonecas que diz hobbesianamente criar, para que, depois de, um quarto de hora antes, ter a ilusão de ressuscitar, vir a desfazer, "methodice digesta", o que outros, depois dele, fizeram, e acabe por suceder o inevitável dilúvio pós-absolutista, conforme o seu lema, "l'institution c'est moi", "eu cá sou institucio-na-lista e ai dos que não estão na dita..."


Dizem que até o Sertório, afinal, não morreu e vai a Roma ser condecorado e pagar tributo ministerial, diante do monumento dos combatentes, recebendo, como prémio, as últimas obras completas de Astérix e mais um penduricalho com transmissão no telejornal sem prós nem contras. Porque Marco Aurélio, e o seu viver cada dia como se fosse o último, não constam da intodução que Talleyrand Kissinger podia ter feito, na revista "Gerarchia", ao "Il Principe", do candidato a adjunto do filho do Papa


Claro que todo este postal é indecifrável para os que não sabem descodificar um hermetismo jus-historiográfico com pitadinhas de resistente anti-salazarquia. Finge que é tão romano quanto as aulas que, da matéria, recebeu de Sebastião Cruz, professor que o actual ministro da justiça bem conhece da sua primeira ida a Belém. Mas cada uma das metáforas corresponde a uma coincidência com a realidade do tempo que passa, infelizmente. E haverá os tradicionais fotocopiadores de serviço, esse misto de jagunço e de bufo, que levarão a coisa, em papel sublinhado pelo lápis azul da profissão de fé do actual chefe formal, bem junto do grande manitu, que é o chefe real. Para que todos os clientes e fiéis continuem a espumar a baba de ódio com que as mãos papudas do realismo morgenthauniano têm brindado aos que dizem não à procissão que nos vai levar ao desastre.
Eu aguento até me assassinarem. Mas, peço: deixem em paz os que pensam ser do exército que não tenho. Só eu sou o meu exército e não tenho cartões de visita nem papel timbrado. Deixem-nos em paz. Os nossos encontros são clandestinos e deles não posso fazer reportagem íntima.


Apenas concluo. Descemos em corrupção, subimos em desemprego. A Nova Zelândia é do outro lado do mundo e está em primeiro. Somos o inversamente proporcional. Julgo que, por lá, houve um governo, socialista e tudo, que deu a volta ao chamado "Welfare State". Parece que, depois, começaram a rimar melhor com justiça.... Quem me dera voltar a esse outro lado do mundo, donde ainda não saí, desde o ano passado.

17.11.09

Então, e se houvesse vidas felizes? Recebido de M. Teresa Bracinha


Então, e se houvesse vidas felizes?

Tenho para mim que a felicidade interior constitui uma bagagem relacionada com o Saber e este irradia muito, até do que ficou para trás, da vida. Só que ainda resta descortinar a amplitude de quem continua a fazer a festa sozinho e a entrar num coma irreversível protegendo-se de tanta alergia face ao que nos rodeia.

Um dia descobre-se que a festa é uma realidade colectiva e contrária à doença que nos querem transmitir como sendo a inevitabilidade crónica dos dias das gentes do mando.

Contudo, alguns de nós (individualmente ou em grupo) encontramos sempre um meio para que as nossas alegrias de nós se orgulhem, para que a solidão do Conhecer não se trate a ele próprio com o desespero do silêncio.

Assim, é deste modo que podem existir vidas felizes, vidas que sabem comunicar as solidões, bem como transmitir a companhia do ser-se solitário.

Pois bem, este é um exercício de força anímica que se opõe à força do mando cego da colectivização de uma sociedade não declarada constitucionalmente doente, mas de facto insuportavelmente sarnenta, ao ponto de um dos nossos hospitais ter declarado que a sarna por lá entrou apenas através de um doente e que agora se instalou no poder de decidir quem a irá pegar e quem não rirá por último.

Curiosamente, o ambiente “pensado” dos seres que nos cercam, é de tal modo pandémico no transporte do Nada, que muitas são as pessoas que escondem algumas horas felizes, não vá o diabo tecê-las e a terapêutica da inveja opor-se por decreto reforçado, militarizando qualquer valor que não equivalha à guerra do vale tudo, menos descortinar que apesar do tudo, ainda pode haver a felicidade da resistência.

Continuamos a viver em territórios demarcados, todavia, dessa demarcação faz parte, no geral, a ocupação integral do tempo comandado pelos outros, pois há que manter ocupada toda a gente e simultaneamente com o mesmo sentimento acrítico de nunca se oporem à infelicidade já que ela é, em vez do sonho, a tal constante da vida.

Chego a pensar que se deveria regimentar a morte em acto único para que nos reuníssemos na despedida; para que enfim, a felicidade não fosse aceite como uma vontade política ou de poder económico, mas sim, que se descobrisse a linguagem da existência que rejeita a qualquer preço a destruição daquilo a que afinal, não estamos habituados, ou seja, ao mero direito que todos temos a uma vida feliz: inabitual no pensamento único para o qual a sociedade tende.

É assim que nós assistimos e vivemos no espectáculo de um duplo movimento: por um lado, aquele que gera a bactéria que confunde pela sua natureza, a própria doença; por outro, a ideia da variedade que luta pela vida das horas felizes, pelo olhar legível que só por si gera os efeitos e os sentidos nos actos que identificam a própria identidade com a liberdade.

Soube-se anteontem que existe água na Lua. Registo irreversível de vida. Diria que talvez as parangonagens, tenham abafado esta notícia, o que só mostra ou demonstra que se esqueceu que no nosso mundo, a morte faz-se na vida e que a intensidade desta se exprime na vontade de experimentar a tal vida feliz, pois que liberta das falsas sementes que à terra se têm deitado, como se da lavra não se colhesse a fertilidade da luta infinda.

Então, e se houvesse vidas felizes?

M. Teresa Ribeiro Bracinha
Lisboa, 15 de Novembro de 2009 – Sec. XXI

Vemos, ouvimos e lemos, não podemos ignorar!


Hoje digo apenas, bem longe da sucata e da actual crise: o Estado não somos nós. O Estado são eles. O Estado é ele. Somos provisoriamente definitivos em regime de governo dos espertos, coisa que acontece sempre que uma determinada situação política passa a ser objecto do domínio perpétuo do acaso, onde o burocrata começa a ter a ilusão da acção permanente, para utilizarmos terminologia aprendida em Hannah Arendt.


Chega-se assim à despolitização típica do governo da burocracia, com uma administração que apenas aplica decretos, como acontecia com o czarismo russo, a monarquia austro-húngara e certos impérios coloniais. Porque os burocratas destes regimes, que administravam territórios extensos com populações heterogéneas, apenas pretendiam suprimir as autonomias locais e centralizar o poder. Contudo, nestes modelos, os donos do poder exercem uma opressão externa, deixando intacta a vida interior de cada um, ao contrário dos totalitarismos contemporâneos.


A esse modelo, um tal de Joaquim Pedro de Oliveira Martins, pensando em António Bernardo, chamou-lhe um dia comunismo burocrático: o clientelismo estatizante, protector das novas forças vivas, dado terem sido satisfeitas as reivindicações de vários corpos especiais: deu-lhes uma Câmara dos Pares, vitalícios e hereditários; um Código Administrativo com 400 administradores de concelho, 4000 regedores e cerca de 30000 cabos de polícia, burocracia, riqueza, exército: eis os três pontos de apoio da doutrina; centralização, oligarquia: eis o seu processo.


O socratismo deixou renascer este fantasma de todas as nossas decadências. E a mancha que afectava os micro-autoritarismos sub-estatais foi, pouco a pouco, alastrando. Chamam, depois da casa arrombada, os senhores inspectores. Põem os magistrados e os polícias em escutas. Juntam ao caldo, os disponíveis bufos de sempre e pensam que a porcaria só funciona de baixo para cima, não reparando que a rede de micropoderes deslegitima todo o sistema. Aqui d'el-rei!, gritam os velhos. Oh da Guarda!, clamam os monarcómacos! Eu apenas olho para a estatátua dos macacos dos macacos cegos, surdos e mudos e repito como Sophia: vemos, ouvimos e lemos, não podemos ignorar. Nada pode apagar o concerto dos gritos. O nosso tempo é pecado organizado.
Os ministros e adjuntos dos déspotas continuam psicopatas sentenciadores e até chegam ao cúmulo de se assumirem como os principais teóricos da democracia. Por mim, apenas sorrio.

16.11.09

Um fim de semana de muitos pèzinhos numa lama que perdeu o molde...


Claro que nunca sou capaz de desenhar, numa folha de papel em branco, uma linha recta perfeita. Claro que, por isso, recorro a instrumentos de aperfeiçoamento, como as réguas (regras, em sentido etimológico) e os esquadros (normas). Claro que sei que tanto o Estado como o Direito são meros normativos. Especialmente quando o Estado deixou de ser Razão de Estado e passou a ser Estado-Razão e o Direito passou do Decreto do vertical absolutismo à Lei vinda do Povo. Até porque também nunca houve Povo e, conquentemente, Democracia. Não houve nem vai haver. Ontem e hoje. Aqui e em qualquer lado, onde haja o dever-ser que é e esse transcendente situado, a chamamos justiça e que não se confunde com o burocrata que diz ser ele esse serviço em figura humana.


Mas o aparecimento do Estado resultou de uma operação de juridificação da política, quando deu direito a uma sociedade senhorial e civilizou uma comunidade guerreira, assumindo-se como o direito contra o poder, a paz contra a guerra. É um pouco de filosofia política, para enriquecimento cultural de sociólogos-ministros.


O Estado de Direito resultou de uma dupla operação : - juridificação da política - e constitucionalização do poder. Deu direito a uma sociedade senhorial; civilizou uma comunidade guerreira citações de minha mestra Blandine, que é francesa, judia e tudo).


O Estado de Direito equivale à velha expressão de Plínio, dirigindo-se a Trajano, quando aquele proclamava que inventámos um Príncipe para deixarmos de ter um dono. Para, em vez de continuarmos a obedecer a outro homem, podermos passar a obedecer a uma abstracção, utilizando as categorias de Georges Burdeau.


O Estado de Direito não é o império da lei, de acordo com essa tradução em calão que muitos fazem de "rule of law". Porque "law" não é direito, nem "rule" é império. Acima da lei está o direito. Acima do direito está a justiça. E nem sequer a lei é ordem ditada de cima para baixo. Nem por uma maioria absoluta.


Descendo à terra ensopada pela necessária chuva de Novembro, vi outra coisa no plano do normativo. As declarações de Vieira da Silva sobre espionagem política são pior emenda que o soneto. Tenham calma, governantes! Ai de nós se os processos mais mediáticos em curso transformarem o Primeiro-Ministro num dilatório de apitos dourados e campanhas negras. Atingiremos o grau zero da futebolítica!


Aqui não há Mafia como na Itália. Nem terrorismo como em Espanha. É tudo um problema de competência, ou de falta dela... Não foi aqui que o processo das FP teve a mesma polícia, a mesma magistratura, o mesmo governo e a mesma presidência, como instituições? O juiz mais em evidência até não era simpatizante do principal arguido? Que raio de vírus afectou os aparelhos?


Depois, foi Berardo, uma visão anunciadora da nossa salvação. Segundo o comendador, petróleo não há apenas no Beato, é de Norte a Sul, mais do que no tal reino da Dinamarca, onde havia coisas pôdres. Até os ingleses, segundo tal paradigma de moral pública, já são mais inteligentes do que nós, ao arquivarem o Freeport. Consta que os sul-africanos ainda são mais inteligentes...


Chegou, depois, o ministro das forças armadas. E para Santos Silva, a líder da oposição, num discurso parlamentar verdadeiramente oposicionista, fez chantagem sobre o poder judicial. Ele, como ministro da defesa nacional, ao usar o heterónimo do Largo do Rato e ao pedir a condenação de polícias e magistrados judiciais e do Ministério Público, face a um processo em curso, não fez chantagem. Tecnicamente apenas "pressionou" a partir do vértice do estadão...


Depois deste exemplo de "majestas" ministerial, fui reler as belas páginas de Camilo Castelo Branco sobre "O Perfil do Marquês de Pombal". Afinal, Sebastião José já voltou do desterro e, ao que parece, sempre foi defensor do "Estado de Direito e da democracia liberal". Reli também o belo processo dos Távoras...


O ministro da defesa nacional veio assumir a suprema missão de mero defensor de quem o nomeou. Louvou, no caso da Casa Pia, que a justiça já tivesse resolvido o problema de políticos suspeitos, mas não teve uma palavra para defender as vítimas da pedofilia. Desta, pediu que se processassem os que escutaram, nada clamou contra os corruptos. A hierarquia tornou-se evidente. Foi pena.


Uns qualificam certas fugas como espionagem política, mas não se lamentam das outras, e vice-versa. É campanha contra campanha. Valeu-nos que, à noite, Queiroz deu um zero à Bósnia, homenageando a balcanização... Mas STJ e PGR parece que se entenderam.


Há uma sucessão de episódios que não reforçam a nossa dignidade. O primeiro-ministro diz que não quer contribuir para isso. O líder do PS não pode dizer o mesmo. Uma questão de heterónimos que confundem propaganda e discurso de justificação com o estadão.

13.11.09

O elefante das parangonas na nossa loja de porcelanas


Eu escuto, tu escutas, ele escuta, nós escutamos, vós escutais, eles escutam. Primeiro, foi o palácio de Belém. Agora, é o de São Bento. Eu parangono, tu parangonas, ele parangona, nós parangonamos, vós parangonais, eles parangonam. Mas o Zé é que paga. E vota.


Entre a primeira página "Sol" e a reportagem "Expresso" ("O que une António Preto e José Sócrates?"), apenas se confirma que, em vez de política, temos romances de costumes, em ritmo de telenovela. Podemos dar ao dramalhão o título camiliano de "A queda dos anjos"...


Confirma-se que a economia está em retoma. Confirma-se que o caso Freeport foi arquivado ... em Londres. Mas as declarações públicas de Sócrates, há minutos, não correspondem a estas boas notícias.


É um excelente "case study", a vida de Sócrates, Vara e Raposo. Três "mirins" e "self made men", a quem certa casta, a que alguns chamam direita, acusa de falta de berço, só porque vêm das berças, sem passarem pelo crivo da legitimidade cultural compensadora, da universidade, do báculo ou da tropa, dado terem tido sucesso na partidocracia, cimeira ou autárquica, na banca ou nos negócios. Espreitemos o processo por outra perspectiva:


Há um nevoeiro de inveja que faz com que não haja espaço para clarificação da única coisa que interessa neste processo: as efectivas condutas, passíveis de sanção pela ilicitude ou pela desonestidade. Quem as pode eventualmente condenar não é o racismo social vigente, mas o direito ou a moral. Temo que se esteja perante a velha anedota da pescada que antes de o ser já o era.


A administração da justiça é como uma loja de porcelana. Com tantos elefantes passeando retórica e parangonas, não é cura a venda de gato por lebre das filigranas do parlamentarês, do ministerialês e do judicialês. Estamos fartos feitores, capatazes e máscaras descartáveis que se usam e deitam fora.Abaixo as guerras por procuração!


As fronteiras entre o privado e o público de uma figura pública têm sempre aquela terra de ninguém do escrutínio público, que não deveria ser confundido com o espaço de podridão daquele vírus multi-resistente que nos vem dos familiares do Santo Ofício, dos moscas do Intendente e dos bufos ditatoriais...


E a melhor forma de combatermos a corrupção está no desenvolvimento de uma moral social que assente na liberdade de imprensa e no efectivo jornalismo de investigação, como, num comentário a recente escrito meu, assinalou o meu colega de sempre, o velho jornalista, Miguel Reis.


O nevoeiro crepuscular que afecta o Presidente, o Governo, o Parlamento, o Poder Judicial e o outro poder, o da comunicação social, ao minar a confiança pública, acaba por entorpecer o o macropoder do poder dos sem-poder, a que, desde sempre, se chamou república, ou comunidade. Da guerra civil institucional só beneficia a força viva dos cobardes!


12.11.09

Um pouco de metapolítica, chamando os bois pelos nomes


Em Janeiro de 2008 escrevi aqui dez pequenos alertas sobre a corrupção: 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10. Há bem mais anos que, no âmbito da minha perspectiva, tenho enfrentado a questão com o mínimo de pinças metodológicas. Não trago nada de novo, ainda estou na onda da nossa "Arte de Furtar" de 1652.


Só posso estar preocupado com certa instituição pública, quando a suprema cabeça do Estado diz estar preocupado com ela, e a sub-suprema cabeça da dita começa a pensar que a mesma deve ser, toda ela, repensada. Como se trata de um problema místico que envolve vacas sagradas e falsos esoterismos, é natural que tudo acabe em parangonas sensacionalistas sobre as fugas ao segredo de justiça...


Se há que denunciar o justicialismo, também as politiqueirices, parlamentar e ministerialíssima, me provocam alguma urticária. A estrutura lacónica que sucedeu ao malhador, ao repetir o registo antimaneleiro, bem pungente, do porta-voz do PS que o subsubajuda, quase parecia estar prestes a clamar contra as violações dos direitos humanos do respectivo chefe, ameaçando recorrer ao Tribunal Europeu.


O que se passou em Itália devia ser, aqui e agora, um adequado retrato prospectivo do que, entre nós, vai piorar se continuarmos anacronismos. De sucateiro em sucateiro, os incautos e incompetentes podem estar a ser coveiros do regime. Não percebem que, de tantos cadáveres adiados que vão fingindo enterrar, muitas raízes vão fazendo alastrar a putrefacção. Dizem todos os clássicos que esta doença só pode ser vencida pela tradicional regeneração. Depois da queda, o homem levanta-se.


Ainda ontem dizia numa rede social: Hoje, como todos os dias, quando eles são de viver cada dia como se fosse o último, é dia de nascer de novo, de regenerar, de olhar de frente o sol. Comecemos por abrir as janelas para deixar entrar o ar. Renascer pelos símbolos sempre foi velho conselho de há vinte e cinco séculos. Mesmo que não se resolvam os mistérios. Bom dia, sol que trazes o irmão sol do meu querido São Francisco!


PS: Agradeço à Manu Graça a invocação com que hoje encimo este postal. Eu chamo-lhe metafísica, coisa que devia ser bem elitista, a democratizar pela conversão de cada um, ao ir para cima e ir para dentro. Infelizmente, são mais multitudinárias as energias do ódio. Claro que me rio com esta notícia.

11.11.09

Ponham-lhe uma venda nos olhos e a espada do máximo poder na mão direita!


O direito não é a vida, são relações jurídicas, uma simples minoria das relações sociais. E os processos não são o mundo. São metalinguagem de um teatro de formalismos, onde até se tinge o paradoxo de proclamar-se que "quod non est in actis non est in mundo". É hipócrita pedir a polícias e magistrados que façam moral ou que façam política. Como é igualmente hipócrita que políticos finjam que aquilo que é lícito equivale a um certificado de honestidade.


Em vez do hipócrita Frei Tomás, desse que vai pregando sem o fazer, prefiro mesmo o São Tomás que foi sempre teólogo e papista. Estou farto dos Tomásios que não são Américos só porque não foram Reverendos. O estado a que chegámos são eles. Os mexilhões são os mesmos.


Glosando Camus, podemos dizer que, depois da era dos filosófos, poderá ter desaparecido a filosofia, apesar de tantos professores de filosofia, desses que apenas ficham o pensamento pensado, sem qualquer resto de pensar, e até do pensamento pensante. Agora chegou a vez dos gestores que não sabem gerir, esses maus exemplos que saltitam entre públicos e privados, privatizando o público e falindo os privados, mas enfilosofando-nos em sermões que os amigalhaços têm que afixar na vitrina.


Sócrates, político, só poder ser politicamente defendido e atacado. Não deve ser atacado através de uma fuga ao segredo de justiça. Não se pode defender, proclamando que o povo votou e que o povo é quem mais ordena. Há uma teoria pura da política. A que lhe dá o valor justiça como estrela do norte.


Justiça não se confunde com a constitucional administração da justiça. Que é tão política quanto o poder executivo, ou o legislativo. Aquela tem que aplicar a lei e não é ela que a faz. E acima da lei está o direito, tal como acima do direito está a justiça que, em cada momento, se expressa através dos programas ideológicos dos ideais conjunturais de sociedade, sem encontros imediatos de primeiro grau com a dita.


O justicialismo está para a administração da justiça, tal como a politiqueirice está para a actividade política, ou o pretenso moralismo para os fariseus. A medida está naquilo que nos falta: uma moral social, comunitariamente assumida pela autonomia da sociedade civil e pelos seus filhos mais queridos, a liberdade de expressão e a liberdade de pensamento.


A medida ou o padrão da torta vida que temos é a régua (de "regula", isto é, de "régua"), tal como norma vem de esquadro, e tal como a ideia que nos deve reger é a recta que traçamos numa folha em branco e que se aproxima do paradigma de recta que todos devemos trazer dentro de nós. Até o "ius", o latino "direito", veio da expressão "ius de rectum", porque ele normalmente fica torto, quando os pratos da balança se desequilibram pelas desigualdades que a vida traz, ao gritarmos "isto é meu".


Direito de "de rectum" é o que põe direito o "ius" torto pelos interesses da luta pela vida e da luta pelo poder, onde quem mais tem poderes mais faz pender para o seu lado o prato, o "lanx", da "bi lancia". E a deusa que a sustenta, com espadalhão maior e mais potente, ao colocar a venda nos olhos continua a ser a única que a endireita. Juiz é aquele que escreve direito por tantas linhas tortas...

10.11.09

A outra sucata, diante da Feira da Ladra


Fui atingido por muitos restos de betão com que os Cias e os Kgbs desfizeram a obra erigida. Quem manda hoje nas subempreitadas globais são antigos empregados das gavetas desses jogadores. Não passam de feitores dos novos ricos que engordaram na mudança, escolhendo o patrão certo, neste neofeudalismo na anarquia ordenada, onde ninguém sabe mobilizar as sementes da revolta

Diante de duas pedras inaugurais de um edifício público, ou das comemorações de um aniversário qualquer, de uma outra inauguração, com nomes deste e doutro primeiro e dos pequenos primeiros que com ele comem, e comeram, à mesa do orçamento, apenas recordo António Sérgio e a diferença que ele dizia ir dos calhaus mortos às pedras vivas, mesmo que sejam pedaços de um muro...

Como não estou a falar de pedras simbólicas nem das ralações que misturam, primeiro indirectamente, e agora já mais directamente, um segundo partido parlamentar lusitano com a sucata, apenas me é dado concluir que muitas mais minas e armadilhas vão enredar as poses de estadão e de oposição do sistema. O tal que vai sendo cada vez mais coveiro do regime. Logo, prefiro reler "A Crise da República e a Ditadura Militar" dos Luís Bigotte Chorão, uma dissertação de doutoramento, apresentada em Coimbra que agora vai ser publicada em letra de livro, no próximo dia 15 de Dezembro. Será, muito simbolicamente, no Tribunal de Santa Clara, diante da Feira da Ladra.

PS: A imagem de Alves dos Reis não é por acaso. A partir de meados de Dezembro, o grande público pode consultar os depoimentos de Salazar e Cerejeira no processo em causa, safando um amigo deles, doutíssimo professor e colega deputado do partido CCP, que Alves dos Reis enredara noutra sucata...

9.11.09

A cadeira que sustenta a queda do muro e a operação caos da Razão de Estado cristã


Caiu o Muro, já não há barreiras no acesso ao Sol na Terra, assim era designada a URSS por Cunhal, os partidos que serviam a estratégia indirecta de Moscovo foram-se desmoronando, outros, mudando de dono, mas mantendo o centralismo dito democrático, e só o nosso, o lusitano, renasceu maximalista e se mostra coerente.


Aliás, entre esse tempo e o actual, aqueles jovens de extrema-esquerda dita maoísta, muito anti-social-fascismo, foram-se também reconvertendo, entre o neoliberalismo negocista, a social-democracia beata, ou laica, e o jornalismo pró-americano, uns saíram de assistentes de Georgetown para cadeiras ministeriais, e outros até voaram mais alto, com a ajuda da águia e ao serviço de outras garras.

Não faltaram ministros do fascismo que se adaptaram aos novos tempos, uns ministros outra vez, outros super-ministros sem cadeira, mas com muitos assentos episcopais prebendados pela gaveta do patrão. Daí que, para comemorar a queda, tenha ido ver Il Divo. Porque a coisa é um retrato prospectivo daquilo em que nos vamos tornar, mas agora com escutas que, antes de poderem ser destruídas, têm fugas ao segredo de justiça...

Não sejas alarmista! Tudo o que apareceu desescutado é o normal dos anormais entre políticos que bebem do fino. Se houvesse escutas das conversas de Soares com todos os políticos do país nas conversas que ele teve no Pátio das Damas caía mais do que o Carmo e a Trindade. Era um tsunami pior do que o de 1755...

Este pedaço de uma conversa que mantinha ao micro-ondas foi objecto de ruídos estranhos. Talvez porque a vizinha está em arrumos. Talvez porque amanhã é dia de exercícios da disciplina de Teoria da Conspiração, aqui pela malta da residência de estudantes da vizinhança.

Estes aqui são bem piores do que no tempo da outra senhora dentro desta...Devem ser espiões privados em autogestão, para ver se vendem a informação...

Sabes, preferi ver o Il Divo, com a estória do Andreotti. Por cá abundam os gajos do mesmo tipo de perfil, chama-se "razão de Estado cristã" e não tem nada a ver com essa do "opus dei". Preferem roubar o método às seitas e construir uma tribo privativa que vai mudando de membros, mantendo apenas o chefe, com a técnica clientelar da bajulação e do clientelismo do tacho e do penacho

Ninguém ouve, ninguém vê, ninguém diz. Mas todos podem ler, ouvir e escutar, mas como não sabem soletrar, preferem o comer e calar. E comem sempre da mesa do orçamento. Aliás, está tudo registado em livros de revolta e de memórias, mas como eles sobrevivem sempre, é mais avisado não os enfrentar...

Andreotti é como ainda é o Kissinger, é como foi o Talleyrand, e são esses que foram ministros que ensinam os actuais e próximos ministros à técnica da razão de Estado e do segredo de Estado. Nem sequer falam depois da prescrição. Porque o importante não é ser ministro, é tê-lo sido...

Pois, quem se lixa é o mexilhão do novo rico que veio das berças. Eles andam sempre a mudar de feitores dos ricos e dos corredores dos salões de estadão, onde eles sabem como poucos usar a técnica da sedução, explicando que os respectivos agentes é que abusaram do poder, mesmo quando mataram...

Ao menos, o Andreotti esteve sempre no mesmo partido e começou cedo. Os nossos vieram do outro lado e andam sempre ao sabor da corrente, preferindo nunca abrir a boca com escritos sobre as paixões que nos dividem internamente. Apenas falam das consequências da crise global e das alterações climatéricas...

Nisto, prefiro o Marocas. Não tem papas na língua sobre o tempo que vai passando. Marra de frente e nem quando erra vive da cobardia dos conceitos indeterminados da música celestial...

Vou fazer-te uma citação: "Há três categorias de fraude política: a ligeira, consistindo na desconfiança e na dissimulação, aconselhável a qualquer estadista; a média, incluindo a corrupção e o engano, apenas tolerável; e a grande, desde a perfídia à injustiça, considerada injustificável e absolutamente condenável".

O que estás a dizer é leitura directa de Justus Lispius, amigo!

Isso mesmo. A obra "Politicorum", de 1589, posta no Index pelo papa Sisto V, em 1590, depois da conversão do autor ao catolicismo, é revista no sentido católico, logo em 1596, tendo cerca de quarenta e cinco edições durante a vida do autor.

"La principal fuerza y honra no solo proceda del príncipe, sino que se esta cerca de el. Digo del principe, para que despache los mayores negocios el mismo, o al menos los ratifique y apruebe, firmándolos, por no enflaquecer el vigor del principado con remitirlo todo al Senado y consejos."

"No porque desprecie los consejos, pues los he persuadido con muchas veras, sino por desear que todo el mundo entienda que es el principe de quien dependen todos. El solo ha de ser juez y arbitro de las cosas por derecho y nombre de rey."

"Los reyes, que son senores de los negocios y tiempos, no sieguen los consejos, si bien tiran a si todas las cosas con ellos. Si algo se suelta de esto, el todo se pierde. Tal es la condicion del imperio, que no se puede mantener si no es remitido a un solo"
Muito bem, amigo, já me despertaste. Depois de ontem ouvir o Medina Carreira, no Plano Inclinado, fui logo à estante para reler a "Arte de Furtar". Telefono-te mais logo...

A razão de Estado é contravenção à lei ordinária, tendo em vista o benefício público, isto é, uma maior e mais universal razão (Ammirato, Scipione)

Quando se trata da salvação do Estado, é preciso uma virtude máscula que passa, algumas vezes, por cima das regras da prudência ordinária (Richelieu, Cardeal Duque)

"S.M. está tão persuadido, que a única atribuição que tem sobre os povos, é esta do poder da força, a que chamam outros a última razão do Estado, que nos manda jurar o projeto com um bloqueio à vista, fazendo-nos todas as hostilidades" (Frei Joaquim do Amor Divino e Caneca que acabou assassinado pelo terrorismo de Estado...)