a Sobre o tempo que passa: Que venha Jano, para um novo começo

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

29.10.09

Que venha Jano, para um novo começo


A janela representa a entrada do ar e do sol, sendo o símbolo da receptividade. No caso de ser redonda, confunde-se com o olho. Se for clarabóia, com a consciência. E se for quadrada, com a terra, enquanto quadrado aberto ao que será enviado do céu. Por isso, há Jano, em latim, Janus, o deus dos começos, que sempre teve duas faces, incluindo a face oculta que, no dia em que comemoramos o 50º aniversário de Astérix, apitou parangonas não douradas, porque antes de o aparecer já tinha arguidos.


Também sem ser por acaso, anunciavam a lista, não a das páginas amarelas, mas a dos secretários de Estado. Alguns antigos alunos meus, certos amigos, muita gente competente e esforçada e sempre um Valter Lemos a estragar a partitura, para que se saliente que a fidelidade é mais importante do que a competência, mesmo a política. A análise parece óbvia: não é apenas um governo PS, é também um governo socrático. Poucos minutos depois, era Pedro Passos Coelho que se mostrava na SIC em grande entrevista, mais incisivo e menos laboratorial, mas ainda aquecendo os motores.


Apetece uma metáfora desportiva. Que o novo governo não seja o actual Sporting fingindo ser treinado pelo Jesus, mas que, na realidade, é o Queiroz do Madaíl. E que o PSD deixe de ser o Benfica do Quique Flores. Porque os sinais de ontem da Polícia Judiciária indiciam Jano. O mais antigo dos deuses romanos. O deus das transições e das passagens, um bonacheirão que representa a passagem para o futuro. Até é o deus das portas, o que preside ao começo. O guardião que abre e fecha as portas, vigiando as entradas e as saídas, porque olha para o exterior e para o interior, para a esquerda e para a direita, para cima e para baixo, dado que tanto está a favor como está contra.


Aliás, Maurice Duverger, em Janus, les Deux Faces de l’Occident, de 1972, diz que a política tem as duas faces do mesmo deus. Dessa mesma origem é a designação que damos ao primeiro mês do ano, Janeiro, Januarius, o tal mês que significa a passagem de um ano para o outro. Porque, depois de 1945, à democracia liberal sucedeu uma tecnodemocracia, fundada em vastas organizações, complexas e hierarquizadas, com uma nova oligarquia que depende mais do Estado e dos estadões que na anterior ordem assente na concorrência de pequenas unidades autónomas. A polícia também sabe. Tal como o deve saber a boa equipa que Alberto Martins levou para a chamada administração da administração da justiça. Já chega de treinadores de bancada, joguem e esfolem-se, até ao tempo suplementar. Acabemos com a era dos empates e com os árbitros que jogam.