a Sobre o tempo que passa: Maneleiro para os socráticos e antimaneleiro para os anti-socráticos

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

24.8.09

Maneleiro para os socráticos e antimaneleiro para os anti-socráticos


Não vou responder às ácidas insinuações de um amigo blogueiro, porque já o fiz no sítio próprio, com amizade e sentido respeito. Nem sequer vou distinguir pedra bruta, pedra polida e pedra cúbica, ou o malhar do malhete e o martelo da foice, que isto de simbolismo sem esotérico é gozarmos com a liturgia, o misticismo e o mito. E devemos desmistificar, mas sem demitificar. Tudo depende do bruto e da picareta...


Vem isto a propósito de me ver acusado de "brincalhão" pelos sinceros e devotos adeptos da alternância PSD, porque confesso que "brinco", mesmo com coisas tão ridículas que apenas merecem o remédio do riso... Tudo aconteceu num dia em que disse, de manhã, quando fazia Sol, à Antena Um que "a entrevista que deu ontem à RTP, a líder do PSD teve uma prestação positiva" (parangona da Eduarda Maio...). Mas, ao fim da noite, quando era Lua, numa intervenção na SIC N, passei a antimaneleiro de serviço. Isto é, maneleiro para os socráticos e antimaneleiro para os anti-socráticos. Ainda bem!


Confirmo agora, pela parangona do Correio da Manhã, que Portugal talvez seja o país da Europa com mais espiões "per capita" e que os mesmos podem ser repartidos por vários serviços públicos com nomes codificados, a fim de criarem uma estrutura federativa de "matrioskas" e a consequente rede das redes. Terão direito a sinais que os levem a todas as cantinas, refeitórios e parques de estacionamento de todos os serviços públicos, para não terem que estacionar em cima dos passeios. Por outras palavras, tenho de concordar com Mário Sottomayor Cardia quando votou contra a instituição de tal estrutura, especialmente se verificar, como o tenho notado no quotidiano, que os mesmos espiões, especialmente os desempregados, têm tendência doentia para entrarem em autogestão, como o meu falecido amigo general Pedro Cardoso qualificava o pior vício da mentalidade da profissão. Temo pelo Estado de Direito. Especialmente num país marcado pelos "familiares", pelos "moscas" do intendente, pelos "formigas" e pelos "bufos".


As sucessivas teorias da conspiração, os protocolos dos sábios ditos sião e as mesas pé de galo gerarão uma "matrioska" de teorias da conspiração, onde o pior das sociedades ocultistas se aliará ao pior do hierarquismo verticalista e ministerialista, agora dito comités de vigilância do sentido de Estado, dos rigores da democracia, ou do puro patriotismo, em nome de um simulacro de ciência, à velha maneira do Estado de Segurança Nacional do Golbery do Couto e Silva, aqui mal traduzido em calão pelos generais políticos, em boa hora derrubados em 25 de Abril de 1974. E a velha conspiração de avós e netos pode agravar a degenerescência gerontocrática do sistema, onde os partidos dominantes, em autoclausura reprodutiva, promoverão mais bonzos, com os consequentes endireitas e canhotos. A ditadura da incompetência pode tornar-se regra e a decadência perdurar.


Vale-nos que, por enquanto, temos o amortecedor da integração europeia, pelo que a maior parte dos factores de poder já não são controláveis pelos mecanismos internos de um sistema que entrou definitivamente em "out of control". Não, não sou maneleiro nem antimaneleiro, apenas considero que os problemas económicos se resolvem apenas com medidas económicas, mas não apenas com medidas económicas. Implicam, não um miniprograma que reveja o código do imposto sobre o património, mas um discurso político onde possa entrar a palavra Europa, a palavra corrupção, a palavra África, a palavra Brasil e reformas das autarquias, do ambiente, da defesa nacional, das polícias, dos espiões, da educação e da universidade. Palavras que estiveram totalmente ausentes da última entrevista de Manuela Ferreira Leite.


Ai de nós, se, perdidos na tecnocracia dos antigos contabilistas mores do reino, deixarmos para os serviços de espionagem a alta política de Estado, esperando os adequados discursos do senhor presidente da república sobre a matéria, com o hermetismo habitual da esfinge e da postura de pedra e erosão do tempo. Ai de nós, se deixarmos a política apenas para os discursos de Portas, os ataques aos fariseus feitos por Sócrates e o mais do mesmo de Santos Silva e Silva Pereira. Porque haverá muita gente de não esquerda que vai, por essas, votar em Jerónimo ou em Louçã.


Ai de nós, se continuar esta cultura do respeitinho, do mero manda quem pode, obedece quem deve, emergindo imúmeras personalidades autoritárias, do PS, do PSD e do CDS, espreitando o rotativismos, ou os ensaios de grande coligação do Bloco Centraleiro, com regeneradores e progressistas a quererem a instalação de um grande partido-sistema, como foi o afonsismo na Primeira República. Espero que tudo não passe da habitual suspensão da política, por causa das férias, incluindo as férias ditas judiciais. Infelizmente, parece que não abundam, nas listas e nos principais actores dos partidos dominantes, personalidades talhadas pela fibra do liberalismo político, desses liberdadeiros de que falava Alexandre Herculano.


Nesta época de cobardia, onde bailam muitos dos calculistas que se querem ministerializar, incluindo a hipótese de um PS sem Sócrates e de um PSD sem Manela, espero que as tais personalidades autoritárias, que produziram inúmeros casos de micro-autoritarismo sub-estatal, sejam devidamente condicionadas por uma federação de revoltados populares, que usem a arma do voto, não para a criação de césares de multidões, mas para o necessário golpe de Estado sem efusão de sangue, como Karl Popper definia a democracia. Um novo Camilo Castelo Branco tem de voltar a escrever a urgente "queda dos anjos".