a Sobre o tempo que passa: Cavaco e o pés de barro do cavaquistão, ou de como nos começamos a ver livres de certa tralha

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

28.5.09

Cavaco e o pés de barro do cavaquistão, ou de como nos começamos a ver livres de certa tralha


Dias Loureiro não é Cavaco Silva. Tal como Cavaco Silva não se confunde com um qualquer dos seus apoiantes. Ou com a soma dos membros da respectiva comissão de honra, na sua última candidatura. Aliás, o lugar de Dias Loureiro dependia da confiança do Presidente. E a confiança pública que tem de se dar é ao espaço do poder do Presidente. Logo, a entrada e a saída do Conselho de Estado não dependem da opinião pública. Até porque se Dias Loureiro se mantivesse no Conselho, tudo aquilo que era para criticar em Loureiro recairia naturalmente em Cavaco Silva. 

Loureiro deve estar de consciência tranquila, de acordo com uma expressão que, de tanto se gastar pelo mau uso, já não tem o sentido de autenticidade dos gestos. Porque nem tudo o que lícito é honesto, de acordo com o conceito do "honeste vivere" do velho estoicismo romano, um dos três pilares da justiça, ao lado do "alterum non laedere" e do "suum cuique tribuere", coisa que no primeiro ano jurídico era muito bem ensinado por Sebastião Cruz nas aulas de direito de Coimbra, que deveriam ter sido assistidas por todos os nascidos em 1951, como eu. 

É evidente que Presidente também deve estar em desconforto, porque certamente está melhor informado do que os cidadãos comuns e é particularmente conhecedor da metodologia típica de Loureiro. Mais nada. Não foi o presidente que conheceu El-Asir através de almoços, jantares ou lanches com Bill Clinton, ou o rei de Espanha, nem também foi o presidente que elevou tais circunstâncias das revistas cor-de-rosa a discurso de defesa diante do parlamento. O presidente é de Bloiqueime, mas não é tão provinciano, embora não tenha gostado de o ver ontem a falar ao país com o antigo candidato Joaquim Ferreira do Amaral em fundo.

Contudo, PS e PSD são irmãos-inimigos, para o bem e para o mal. O bloco central de interesses, ao permitir a criação destas plataformas giratórias entre o negocismo e a politiqueirice dá uma péssima imagem da classe política e a única solução não é a do populismo falsamente moral, mas antes a de um arrependimento que seja sincero, vindo dos principais partidos, os tais que deveriam promover um novo contrato social voltado para um adequado código deontológico, onde pedissem perdão ao povo pelas degenerescências a que deram guarida. 

Não é solução o habitual truque das campanhas eleitorais. Como a de colocarmos o BPN como o inverso do Freeport, ou justificarmos o cavaquistão com os negócios de Macau do soarismo. Cavaco deveria ser o primeiro a denunciar o cavaquistão e o PS a livrar-se de certas tralhas reais da sua efectiva história. De outro modo, continuaremos a silenciar o caso BCP, correndo o risco de muitos outros BB nos explodirem numa próxima curva do caminho. E entre uns e outros venha o diabo e escolha.

E o presidente da república deveria ser solicitado pela partidocracia para um urgente acto de regeneração. Julgo que a maioria dos dirigentes dos principais partidos está de acordo com a liquidação deste estado a que chegámos. E tal passa mais por uma atitude do que por novas e velhas leis e novos e velhos magistrados...