a Sobre o tempo que passa: Quando predominam os bonzos, endireitas e canhotos, é inevitável que floresça a ditadura da incompetência

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

17.2.09

Quando predominam os bonzos, endireitas e canhotos, é inevitável que floresça a ditadura da incompetência


Há coisas que, de vez em quando, entram dentro de mim pela coincidência, pela experiência, pelo acaso. Coisas que já conhecia há muito e que fui calando, por recato, por segredo de justiça, por zelo profissional ou por simples recato. Há meses que conhecia em pormenor uma das mais recentes parangonas, mas por razões morais e patrióticas, comuniquei a quem não soube actuar devidamente antes da nuvem se transformar em tempestade. Um dos conhecidos políticos que faz primeiras páginas quase todos os dias, além de ser meu contemporâneo na faculdade, nasceu no mesmo dia e ano deste escrevente. E bem poderia determinar outras primeiras páginas se as regras do processo e do Estado de Direito não me aconselhassem ao silêncio.

Por outras palavras, entre a República Portuguesa e o último país onde vivi, os sinais de corrupção  são directamente proporcionais aos de Estado falhado. Bastaria ter ouvido, noutro dia, o professor Daniel Bessa anunciando a chegada de um controleiro financeiro internacional, à semelhança do do FMI que obrigou ao governo PS/ CDS, com Vítor Constâncio nas finanças. Nada de confusões: Paulo Portas ainda andava pelo PPD, Manuel Ferreira Leite ainda não se tunha inscrito no partido de que agora é líder e Sócrates andava a estudar engenharia.

De qualquer maneira, quando olho para esta Europa, feita confederação do egoísmo de grandes potências, onde só os pequenos e médios Estados é que estão condenados ao cumprimento das regras emitidas pelas cimeiras, que saudades eu tenho daqueles pais-fundadores que tinham uma ideia de Europa e daqueles comissários que se assumiam como Jacques Delors. Porque, nesta encruzilhada, primeiro, estão os complexos bancoburocráticas de cada um desses Estados e só depois vem a retórica europeísta, numa altura em que outros grandes espaços vão executando programas anticrise.

Quem se desleixou com a fuga de informação sobre as listas nominativas de espiões não deve ter reparado quanto custou ao contribuinte a formação em confidencialidade de cada uma dessas unidades directivas. São milhões de euros desmantelados pelo modelo do senhor ninguém a que chamamos burocracia e regulamentarismo, no sobe e desce do passa-culpas, sintoma de um mal maior que a de um aparelho de poder totalmente insensível à urgente cultura de defesa nacional e de sentido de Estado de Direito. É, sobretudo, um aparelho de Estado que não é marcado pela legitimidade racional, da racional-normativa à racional-axiológica, onde a ética da responsabilidade deve, todos os dias, ser corrigida pela ética da convicção.

Não se estranhe, portanto, que em vez da legitimidade racional predominem os sucedâneos de legitimidade carismática e de legitimidade tradicional, acabando por funcionar o patrimonialismo neofeudal da cunha, da partidocracia e do clientelismo, terrenos favoráveis ao desenvolvimento da chamada compra do poder, mais conhecida por corrupção. Quando predominam os bonzos, endireitas e canhotos, é inevitável que floresça a ditadura da incompetência.