a Sobre o tempo que passa: Qualquer homem que tem poder tende a abusar dele, indo até onde encontra limites. Quem o diria? A própria virtude precisa de limites

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

16.2.09

Qualquer homem que tem poder tende a abusar dele, indo até onde encontra limites. Quem o diria? A própria virtude precisa de limites


Pronto! Chávez é democraticamente ditador e Sócrates, apesar de algumas mordidelas de mosquitos críticos e de muitas campanhas negras oposicionistas, obteve 96% para a reeleição, como líder do PS, quase atingindo o dobro do cliente sul-americano do "Magalhães" e igualando Paulo Portas. Só que o país pode não ser o partido, e setenta a oitenta mil militantes até são menos que os felgueirenses, os gondomarenses, os oeirenses e os madeirenses. Claro que os militantes do PS não são os cidadãos venezuelanos e cubanos, mas um universo que acaba de ser desertificado pelo mesmo eucalipto governamentalista que, com Cavaco, já tinha infectado o PPD, não por culpa da natureza dos dois partidos do Bloco Central, mas por causa do absolutismo das maiorias absolutas.

Por isso, reli Montesquieu: "para que não se possa abusar do poder é necessário que, pela disposição das coisas, o poder trave o poder. E isto porque "todo o homem que tem poder sente inclinação para abusar dele, indo até onde encontra limites". Com efeito, Montesquieu anteviu que o poder está sujeito a uma lógica espiral, admitindo que não basta ele controlado pelas leis, dado que estas podem ser abolidas e que a prática tem demonstrado que nos conflitos entre as leis e o poder, este costuma sair vitorioso.

Para Montesquieu, os governos podem "por natureza" ser republicanos,monárquicos ou despóticos. O governo republicano pode, por sua vez, ser democrático - quando o exerce o "povo inteiro" - ou aristocrático - quando apenas é exercido por parte do povo. O governo é monárquico quando "há um só que governa com leis fixas estabelecidas", isto é, com "leis fundamentais", mas também com "poderes intermédios, subordinados e dependentes", entre os quais destaca o da nobreza. Finalmente, o governo é despótico quando governa um só, mas "sem lei e sem normas apenas segundo a sua vontade e o seu capricho". Um despotismo que pode também ter a variante da anarquia, considerada o "despotismo de todos".

Atendendo aos princípios, ao fim visado por cada forma de governo e ao que "o faz actuar", considera que o despotismo é dominado pelo medo,a monarquia pela honra ("amor dos privilégios e distinções") e a democracia, pela virtude ("amor à pátria e à igualdade" que faz "a devoção dos cidadãos ao bem público").

Porque a virtude consiste na probidade, na preferência contínua pelo interesse público sobre o interesse próprio, pelo amor das leis e da pátria e pelo amor à igualdade e à frugalidade. Salienta que "não é necessária muita probidade para que um governo monárquico ou um governo despótico se mantenha ou sustente. Num a força das leis, no outro, o braço sempre levantado do príncipe, regulam ou contêm tudo. Mas num Estado popular é necessário um grau mais elevado que é a virtude".A virtude política que é "uma renúncia a si mesmo,que é sempre uma coisa muito dolorosa".

Não deixa, contudo, de considerar que tanto a democracia como a monarquia podem degenerar:"as monarquias corrompem-se logo que aos poucos tiram as prerrogativas às ordens e os privilégios às cidades... A monarquia perde-se logo que o príncipe, relacionando tudo a si próprio, chama Estado à sua capital, chama capital à sua Corte e Corte à sua pessoa...logo que retira aos grandes o respeito dos povos e os transforma em seus instrumentos do poder arbitrário". Vai, no entanto, mais longe e considera que a própria virtude, o princípio da democracia, tem também necessidade de ter limites: "é uma experiência eterna que qualquer homem que tem poder é levado a abusar dele,vai até onde encontra limites. Quem o diria? A própria virtude precisa de limites".