a Sobre o tempo que passa: Contra o Leviathan soberanista, pela necessidade de um Estado de Direito Universal

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

19.2.09

Contra o Leviathan soberanista, pela necessidade de um Estado de Direito Universal


Uma das mais curiosas teorias da conspiração tem a ver com a literatura de certo socialismo, verbalmente anticapitalista, quando reduz o respectivo sonho ao aumento quantitativo do intervencionismo estadualista, dos Estados a que chegámos, esses que são pequenos demais para os presentes grandes problemas do mundo, mas que continuam a ser grandes demais para asfixiarem a imaginação e a criatividade das pessoas concretas e das autonomias grupais que estas podem gerar pelo princípio da simpatia, teorizado por mestre Adam Smith. Nem sequer repara que o Estado e o Mercado são filhos da mesma encruzilhada teórica, essa alavanca da chamada modernidade que foi expressa pelo "Leviathan" de Thomas Hobbes, o filósofo que preparou a conquista do poder por uma burguesia que precisava de tal ideologia para romper com a anterior sacralização do poder, pondo numa mão o báculo e na outra, a espada, mas confundindo os dois braços no cacete do proibicionismo.

É evidente que, aqui e agora, mesmo em plena crise, eu continuo adepto do capitalismo e da ética demoliberal que lhe está na base, não encontrando nas palavras do cardeal D. Saraiva Martins a razão que leva o presente modelo de socialismo menos, no poder em Portugal, a assumir o essencial da herança antiliberal de Salazar, dessa economia privada de cunhas neofeudais, à espera do proteccionismo, que não quer uma real economia de mercado. Por outras palavras, continuo a subscrever Hayek e a querer denunciar a presente cedência ao caminho para a servidão, nomeadamente pelo regresso a formas de legitimidade anti-racionais-normativas, nomeadamente ao patrimonialismo dos donos do poder.

Só com melhor política e mais autonomia da sociedade e dos indivíduos é que poderemos superar a presente crise. Porque não foram os socialistas que venceram os desafios da velha questão social, que lançaram os fundamentos do "New Deal", ou do "Welfare State". Foram os neoliberais, os neo-democristãos e os neo-socialistas desses tempos dos pós-guerras que passaram, os tais que lançaram os modelos do capitalismo democrático que nos deu mais riqueza e mais justiça.

Só que não é o velho Estado soberanista de Hobbes, ou a macromonetarice de Keynes e Cavaco que poderão apontar rumos para a presente falência de justiça e de liberdade. A presente crise, se é global, exige a instauração de um político que também seja global. Por outras palavras, só a emergência de um Estado de Direito universal, daquilo que Kant chamava direito cosmopolítico e república universal, poderá evitar o regresso ao proteccionismo dos Estados lobos dos Estados, desses Estados-bolas-de-bilhar, em perpétuo movimento. Só a emergência de formas de "civitas maxima", "civitas humana" ou de "sociedade das nações" nos poderão fazer renascer a esperança.

Confesso que continuo liberal e adepto do capitalismo. Em nome da experiência e da esperança. O que tem falhado é uma Europa activa, supranacional e supra-estatal, e não esta colectânea de falhadas cimeiras que não conseguem acompanhar o desafio lançado pelo neo-isolacionismo em que podem cair as medidas proteccionistas de Obama. O que não existe é uma efectiva Organização Mundial de Comércio Justo e reais regras universais, com segmentos de intervencionismo global. Restaurar o Estado salazarista em nome do socialismo é uma tolice de pequeno Estado que quer ser Estado Secundário, numa balança da Europa comandada por restauradas potências de Talleyrand, num neofeudalismo que beneficiará os grandes, mas condenará os pequenos e médios Estados ao falhanço do inviável, ou à mão estendida.

Um verdadeiro liberal tem que voltar a defender Kant, Ropke (na imagem) ou Rawls e assumir o projecto dos pais-fundadores do projecto europeu, subscrevendo o sonho de Wilson de um capitalismo universal e de um demoliberalismo com regras e segmentos de justiça, através de pequenos passos para uma efectiva República Universal que não seja utopia de amanhãs que cantam. É este o regresso ao Estado que advogamos, sem a megalomania socialista do Portugal dos pequenitos com a mania das grandezas, esse que vai acabar por ser governado pela pilotagem automática dos agentes do FMI, do Banco Mundial ou do "spread"... Por outras palavras, se a geoeconomia não puser a especulação da geofinança na ordem, não há trabalho e procura da riqueza para um mundo melhor que resistam em igualdade de oportunidades e meritocracia!