a Sobre o tempo que passa: Uma democracia asfixiada pela endogamia partidocrática, onde a esquerda cabe na aula magna e a direita, no kim-il-sung do portismo

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

15.12.08

Uma democracia asfixiada pela endogamia partidocrática, onde a esquerda cabe na aula magna e a direita, no kim-il-sung do portismo


Alegre começa a estreitar demais, em politiquice, aquilo que apenas parecia ser um caminho de metapolítica. Corre assim o risco de tornar-se no Adriano Moreira da esquerda, mas ainda com mais idade. O que deixa uma estreita margem de manobra a José Sócrates, porque o poeta pode conseguir os cinco por cento necessários para um futuro governo de maioria absoluta do que poderia ser a união nacional situacionista. Logo, não estamos a ver Sócrates a ter que governar com o apoio de Portas ou do PSD, a ter que engolir Alegre ou a ter que transformar todo o Bloco de Esquerda num Sá Fernandes, costizado. Se Sócrates não fosse teimoso, era capaz de dar uma golpada de mestre e não ir a votos dentro do PS, obrigando Vitorino a sair da toca da fundação, com Soares, o Mário, a ter que vingar-se das presidenciais, num jogo de gerontes com muitos velhos do restolho.


Parece que tudo se apresenta como uma sucessão de estratégicos pontos de não regresso, naquilo que a política tem de melhor nestas encruzilhadas: o prazer daquele risco de mandar tudo desafiar, sempre "entre o tudo e o seu nada". Obrigado, Manuel Alegre! Por enquanto, eu, liberal e tudo, estou condenado a ter que votar na única coisa verdadeiramente política que ameaça apresentar-se ao eleitorado, onde, neste caso, ser vencido é afinal vencer, dado que a velha contabilidade dos cenários de Marcelo Rebelo de Sousa e das análises políticas de José Miguel Júdice não consegue meter a realidade num caixilho de cenários. Porque, crescendo a dita esquerda, nunca uma eventual vitória do PSD em maioria relativa lhe daria legitimidade, um pouco à imagem e semelhança das contas formais que, por Timor, Alkatiri continua a fazer.


A sucessão de episódios decadentistas é também assinalável pelos mais de noventa por cento obtidos por Portas num universo eleitoral onde apenas houve participação de cerca de 30% dos militantes do PP, isto é de cerca de cinco mil de gatos pingados, onde haverá pouco mais de meio milhar de activistas em circuito endogâmico, mas que correm o risco de definir o essencial da vida histórica dos portugueses desta geração. Isto é, cabem quase todos no mesmo auditório onde Alegre concentrou o "forum das esquerdas", num espaço multitudinário bem menor do que poderá ser conseguido pelo Benfica, pelo Sporting e por Futebol Clube do Pintodacosta. Não há democracia sem cidadania e ai da democracia se for esta partidocracia a marcar o ritmo do futuro. Porque basta copiar no Bairro Alto de Lisboa o que os radicais gregos da tradução em calão do Maio 68 estão a fazer a partir da Faculdade de Direito e da Politécnica de Atenas...
PS: Não aconselho Sócrates a fiar-se na análise que, ainda ontem, ouvia do meu querido José Miguel Júdice nesse espaço da rádio pública que captei em Dili, segundo o qual tudo dependeria da baixa da taxa do Euribor, com a classe média a voltar a escolher o Zé da Covilhã como o mal menor, prometendo rodriguinhas em todos os sectores, mesmo que seja pela desertificação desinstitucional dos professores. Meu caro Zé Miguel, essa de definires a classe média como aqueles a quem está garantido o emprego é uma espécie de convite a irmos todos para a Patuleia!...