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Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

30.11.08

1º de Dezembro, Oekusse, Lifao, ontem, "despois que dessa terra parti, como que o fazia para o outro mundo..."


Estive ontem aqui, Lifao, Oe-Cusse, também dito Ambeno, o mais longe e o mais só dos sítios que foram do fim de Portugal. Levei, no meu bornal, um livro de rimas e cartas de Camões, Paris, Pedro Gendron, III volume, assim portátil, e em edição de 1759. Fui ao monumento de Lifao, onde os portugueses contemporâneos de Camões terão desembarcado na ilha, pela primeira vez. O autor de "Os Lusíadas", o amigo dos Jaus, estava processado e não terá seguido viagem. Eu fui, mas por terra, três dias, quatro paragens de longas horas em fronteiras, sempre em duplicado, ora em timorense, ora em indonésio (Batugadé, Oesili, Wili, Batugadé), mas valeu a pena. E li: despois que dessa terra parti, como quem o fazia para o outro mundo, mandei enforcar a quantas esperanças dèra de comer atá então, com pregão publico, por falsificadoras de moeda. E desenganei esses pensamentos, que por casa trazia, porque em mim nam ficasse pedra sobre pedra. E assi posto em estado, que me nam via, se nam por entre lusco &  fusco, as derradeiras palavras, que na Nao disse, forão as de Scipião Africano, "Ingrata patria, non possidebis ossa mea" (pp. 45.46).


Aliás, amanhã é o Primeiro de Dezembro. Aqui deixo o meu depoimento, a publicar em Lisboa, em O Diabo:  O Primeiro de Dezembro é sério demais para poder ser utilizado como pretexto de análise de um governo que tem figuras de estadão como estas e que não divulgo, para não poder cumprir o dito segundo o qual em política o que  aparece é que é. 

Como dizia mestre Alexandre Herculano, Portugal só é independente quando tem a vontade de ser independente, mesmo que, na prática, o sermos independentes signifique gerirmos dependências e navegarmos nas interdependências. 1640 não foi feito contra a Espanha nem sequer foi feito num só dia, mas preparado com um investimento de décadas e décadas. E, como dizia outro dos meus mestres Agostinho da Silva, a principal consequência de 1640 chamou-se Brasil. 

Aliás, o plano vinha de longe e não é por acaso que um D. Luís da Cunha, pouco tempo depois da restauração, advogava a mudança da capital para o Rio de Janeiro, dando como exemplo um seu avô, implicado no partido de D. António Prior do Crato, com quem entrou em desavença porque este quando foi obrigado a abandonar o  reino, optou por refugiar-se na Europa e não no Brasil. 

Repetindo Herculano e Agostinho, digo que Portugal corre o risco de perder a independência se os portugueses perderem a vontade que os levou a refundar Portugal várias vezes, nomeadamente nos últimos trinta anos, quando muitos disseram Europa como em 1640 dissemos viva D. João IV. 

Pouco me interessa este governo, porque sei que nele há ministros tão patriotas como os melhores patriotas, bem como outros tão alheios à emoção nacional quanto muitos outros que também tivemos em todos os regimes. Por estes meses, estou na República do Sol Nascente, como  professor na Universidade Nacional de Lorosae, enquanto agente de  cooperação da universidade pública portuguesa e sinto que a comemoração do Primeiro de Dezembro deveria ser o reconhecermos que, graças a ele, esta língua de Camões, de Cecília Meireles e de Rui Cinatti é a língua mais falada no Hemisfério Sul, deste lado de baixo do Equador. 

Infelizmente, os instrumentos que dispomos para a defender são parcos demais e aqui, não tanto pelas culpas dos governos portugueses, quanto por não conseguirmos fazer da CPLP uma comunhão entre as coisas que se amam. 

Por isso, vou comemorar o 1º de Dezembro, sonhando que, dentro de anos, esta semente de república universal falada em português, em tétum, ou nos muitos crioulos seus heterónimos, pode assumir em termos de poder político internacional o necessário abraço armilar. 

Pode ser que um dos próximos papas seja angolano ou que o Brasil, além do G20, se torne membro  permanente do Conselho de Segurança da ONU. O que falta ao Portugal do quintal europeu é que os portugueses à solta não tenham que continuar a procurar Portugal fora de Portugal, por causa dos "ministros do reino por vontade estranha" que chamam doido ao Manuelinho. 

Como sou do partido de Mateus Álvares, de São Julião da Ericeira, continuo à procura da República Maior, como o jurista da restauração João Pinto Ribeiro, chamou à nossa comunidade política.