a Sobre o tempo que passa: Um povo é uma comunidade de significações partilhadas

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

16.10.08

Um povo é uma comunidade de significações partilhadas


Porque aqui são oito horas mais tarde, não sofri com as queirosíadas, mas agora, prestes a jantar, noto como os programas de opinião pública da rádio estadual de Lisboa nos debitam análises sem fim sobre a causa da crise da nossa FPF onde, finalmente, se nota como está nu o tal madail que ainda vai ser herói se optar pela chicotada psicológica. Já, da política, nos vêm as disputas laranjas sobre a candidatura de Pedro à autarquia lisbonense, enquanto o governo nos orçamentaliza e Medina Carreira continuar a pregar no deserto. Vale-me que, neste ambiente timorense, vivo noutro mundo, sem qualquer paixão identitária pelas facções e partidos locais que, apesar estarem bem perto, nada têm a ver com o ritmo da minha cidadania. Assim se confirma como um povo é uma comunidade de significações partilhadas.

Vistos de Timor, Sócrates, Louçã, Portas, Jerónimo ou Manela são animais exoticamente idênticos, revestidos pelo mesmo discurso, embora uns se digam de um lado e outros, do lado oposto. Tal como os portugueses de hoje vêem os opostos políticos da I República como gente de chapéu preto e de discurso de comício em cima de um carro de bois. Poucos conseguem saber se António José de Almeida estava à direita, ou à esquerda, de Afonso Costa. Também os políticos de hoje, vistos à distância, são tão rotativamente próximos, quando o Zé Luciano ou o Hintze. Contudo, a paixão identitária que nos mobiliza pode constituir uma saudável energia, se a soubermos sublimar em adequada institucionalização dos conflitos.

Por isso, amigos e queridos leitores, não esperem que aqui formule opiniões sobre Xanana, Alkatiri ou Ramos Horta. Não só porque sou estranho e estrangeiro, como não é justo que exerça qualquer sucedâneo de cidadania, sobretudo face, a um povo que ainda há pouco conjugava o martírio. Esta democracia timorense, com o seu real dramatismo, exige, pelo menos, que respeitemos os mortos. Daí que fique cada vez mais longe de toda politiqueirice lusitana, ainda marcada pelo mais do mesmo.