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Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

19.10.08

O melhor de Timor não é o aparelho de Estado, mas aquilo que está na base da política, o comunitário, a que dão o nome de nação


Meu ritmo domingueiro passou hoje por visitar uma feira de artesanato que reuniu grupos de mulheres dinamizadas pelo microcrédito. Fiquei supreendido pelas dezenas de pequenas unidades produtivas que transformam a economia em actividade humana e desmentem totalmente os que pensam nesse Estado como algo completamente desarticulado a nível produtivo. O melhor de Timor não é o aparelho de Estado nem as actividades das grandes máquinas do lucro, mas aquilo que está na base da política, o comunitário, porque aqui a nação é bem superior ao tal Estado. Por isso é que a base da independência e da identidade do povo de Timor assenta na Igreja Católica, mas o que não impede imensas organizações de outro cariz de lançarem a sementeira da solidariedade. Confirmei-o, espreitando a obra a Fundação Lafaek Diak, de marca protestante, e até notei que organizações australianas como os maçons de Victoria, aliados aos catolicíssimos "Knights of the Southern Cross", criaram, nomeadamente para o Colégio Salesiano, o programa "Working Tools for East Timor", ajudando a desabrochar esta bela comunidade, conforme documento na imagem.

Há, depois, um povo muito especial, ainda não contaminado por certas facetas da nossa política de homens de sucesso e capaz de pequenos gestos na relação interpessoal. Por exemplo, hoje, perdi o meu telemóvel local, o +670 7432773, e logo a seguir, quando para ele fiz uma chamada, logo o achador se prontificou a vir entregá-lo, coisa que talvez não acontecesse para as bandas dos que para aqui enviam especialistas em engenharia social e "state building", traduzindo em calão muita elefantíase legislativa e criando uma casta de um neocolonialismo anónimo, escondido pelas traseiras da chamada globalização. De qualquer maneira, se um Belmiro de Azevedo ou um Américo Amorim, assumindo a sua dimensão de homens de boa vontade, se prontificassem a vender nos respectivos centros comerciais muitas das produções que eu hoje vi na feira, bem poderíamos ter o capitalismo ao serviço do comércio justo e notarmos que Timor não são apenas as notícias que vendem sobre instabilidade política ou agitações de rua. Até poderíamos mobilizar entidades da nossa sociedade civil que aqui deixaram raízes em imponentes casas nas ruas principais, como a casa do Benfica e do Sporting...

Por exemplo, ainda há horas, com a ventania que hoje fustigou Dili, caiu uma árvore na rua em que se situa a minha casa, no bairro da cooperação. Garanto-vos que, menos de um quarto de hora depois, os garbosos bombeiros apareceram e limparam a coisa num ápice. Contam-me que no tempo da ocupação indonésia utilizaram outra técnica: derrubaram grande parte das frondosas árvores que bordejavam as principais avenidas da cidade. É por esta e por outras que não apetece comentar a entrevista de Cavaco Silva ao "Expresso". Prefiro acompanhar as eleições nos Açores, mas, segundo diz o noticiário da uma da RTP, que aqui é à hora do jantar, só sairão os primeiros resultados lá pela madrugada timorense.