a Sobre o tempo que passa: As autonomias só são reais se resultarem do direito natural e dos pactos de união pelas coisas que comunitariamente se amam

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

28.6.08

As autonomias só são reais se resultarem do direito natural e dos pactos de união pelas coisas que comunitariamente se amam


De acordo com um relato de um professor escrito em acta, há quem peça aos directores das escolas para terem atenção na escolha dos docentes que vão corrigir, mais dizendo que “talvez fosse útil excluir de correctores aqueles professores que têm repetidamente classificações muito distantes da média.” Porque os “alunos têm direito a ter sucesso” e o que “honra o trabalho do professor é o sucesso dos alunos” terá dito imediatamente antes e depois.


Julgamos que a Verney educativa do socratismo deve imediatamente plasmar-se em letra de lei, mais ou menos, nestes termos: "ficam excluídos de todos os júris aqueles jurados que outorara chumbaram os que agora são candidatos, porque todos os candidatos têm direito a ter sucesso". Como parágrafo primeiro da mesma lei de artigo único, pode acrescentar-se: "não devem ser indicados como jurados todos os que sejam independentes da barganha negocial que precede a escolha dos mesmos". Como parágrafo segundo, deve acrescentar-se "todos os assessores, adjuntos, serviçais e apoiantes dos chefes devem ter imediata passagem administrativa sem a chatice de andarem por aí fingindo que se cumpre a estúpida lei da meritocracia".


Por esta e por outras é que continuo a sorver este azul do grande mar-oceano, onde vou meditando sobre a interpretação de um princípio da subsidiariedade que esteja de acordo com o sonho dos modelos pós-totalitários, pós-autoritários e pós-soberanistas, libertando as autonomias da barganha negocial dos grupos de pressão e dos grupos de interesse. Porque até as universidades podem cair na teia de certas personalizações do poder, marcadas por um ridículo majestático, pretensamente omnisciente e omnigestionário, que, a si mesmo, se decrete como a via única para o bom senso, lançando todos os opositores e dissidentes para o ostracismo, só porque padecem da grave doença social de não submissão à unidimensionalização predadora, típica daquele provincianismo caciqueiro que costuma subsidiar as bandas filarmónicas ditas unânimes do montículo.


Bem me referia, há dias, um meu amigo russo, quando salientava que o sub-sistema de medo dos modelos pós-autoritários radicava na falta de institucionalização dos conflitos, assentando em rebanhos educados para ninguém ter opinião crítica. Por isso, noto como, nalgumas ilhas, certas plantas exóticas de origem tibetana se tornaram numa praga, ameaçando os próprios muros feitos de hortênsias e a beleza dos dragoeiros. Porque mesmo um Estado de Direito pode viver segundo o ritmo dos unanimismos micro-autoritários, tal como acontece em muitas das zonas pós-comunistas da Europa, onde vinga a cultura da corrupção e da bandocracia. Quando, importa "espremer gota a gota o escravo que cada tem dentro de si".


As autonomias infra-estaduais já tiveram o seu estado de graça libertador. Agora, muitas enredaram-se no partidarismo e nas personalizações do poder, caindo nas teias dos velhos donos do poder que as podem manobrar para um regresso ao passado e ao poder perdido. As autonomias só têm sentido quando as comunidades vivas as conquistaram e não deixam que elas se transformem em concessões da revolução, do Estados, das constituições ou dos decretos regulamentares e homologações administrativas. As autonomias só são reais se resultarem do direito natural e dos pactos de união pelas coisas que comunitariamente se amam.