a Sobre o tempo que passa: Os guerriheiros de Cristo, os exércitos de Jardim e o PSD, entre o sultão e o carisma

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

21.4.08

Os guerriheiros de Cristo, os exércitos de Jardim e o PSD, entre o sultão e o carisma


O falecimento do Cónego Melo e a circunstância de Menezes já ter sido cabeça de lista por Braga obrigam-me a recordar a razão pela qual Alberto João Jardim se retira da candidatura à liderança do PSD: reconheceu não ter exércitos no Continente. Porque o Cónego Eduardo Peixoto de Melo era um dos últimos guerrilheiros de Cristo, com os pés na terra da pátria e os olhos no hossana das alturas, com cursilhos de cristandade e o Sporting de Braga como intermediários, onde Mesquita Machado se tornou no braço temporal mais parecido com Santos da Cunha, apenas importa notar que não faltou sequer a elevação à categoria nobiliárquica de comendador por parte de Mário Soares.


Quando Jardim deixou descair a boca para a verdade, apenas confirmou que os principais partidos do Bloco Central ainda não atingiram a legitimidade racional-normativa, vivendo, sobretudo, sob o predomínio da legitimidade patrimonial e sempre à espera da legitimidade carismática. Hoje apenas falamos da legitimidade do feudalismo, onde os nossos prinicipais partidos não passam de grandes federações de grupos de interesse e de grupos de pressão, como se nota em épocas de interregno, como a que vive o PSD.


Porque a legitimidade é o poder que se liberta do medo, através do consentimento, activo ou passivo, daqueles que obedecem. Para Weber, é a crença social num determinado regime, a fonte do repeito e da obediência consentida. Para Guglielmo Ferrero, é um acordo tácito e subentendido entre o Poder e os seus súbditos, sobre certos princípios e certas regras que fixam a atribuição e os limites do poder.


Assim, um governo legítimo é um poder que se libertou do medo, porque aprendeu a apoiar-se no consentimento, activo ou passivo, e a reduzir proporcionalmente o emprego da força. Logo, haveria três legitmidades: a legitimidade tradicional, a legitimidade carismática e a legitimidade racional.


Na primeira, a dominante nos nossos partidos, emergem os fiéis como é timbre do patriarcalismo, da gerontocracia, do patrimonialismo e do sultanismo. É uma legitimidade baseada na crença quotidiana na santidade das tradições vigentes desde sempre, e na legitimidade daqueles que, em virtude dessas tradições, representam a autoridade.


Difere esta legitimidade tradicional, da que é produzida pela mera acção emocional ou afectiva, marcada pelo instinto e pela emoção, onde há confiança total no valor pessoal de um homem e no seu destino, uma acção fundada na santidade, no heroísmo e na infalibilidade, marcante na legitimidade carismática.


Infelizmente, qualquer sultão de trazer por casa tende sempre a pensar que tem o dedo do Senhor na testa dele mesmo, como se o crisma estivesse assim vulgarizado. Ou todos pudessem chegar aos calcanhares do Cónego Melo, de Alberto João Jardim ou de Mário Soares.


Voltando a Weber. De um lado, temos o chefe, o profeta, o herói ou o demagogo, da legitimidade sultanal; do outro, os adeptos ou os leais, os discípulos ou seguidores, da legitimidade carismática. Dado que esta seria baseada na veneração extra-quotidiana da santidade, do poder heróico ou do carácter exemplar de uma pessoa e das ordens por esta reveladas ou criadas. Tudo depende do carisma, isto é, de uma qualidade pessoal considerada extra-quotidiana (...) e em virtude da qual se atribuem a uma pessoa poderes ou qualidades sobrenaturais, sobre-humanos ou, pelo menos, extra-quotidianos específicos ou então se a toma como enviada por Deus, como exemplar e, portanto, como líder .