a Sobre o tempo que passa: Notícias da Bielochina, uma ilha com lugar, governada pelos bastardos da utopia

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

4.3.08

Notícias da Bielochina, uma ilha com lugar, governada pelos bastardos da utopia


Tenho um amigo que ainda tem de sobreviver na ilha da Bielochina, esse frondoso pedaço de mundo, que, desde o século XVI, foi povoado por galaico-portugueses e que se tornou independente do império otomano, depois das turbulências do fim da Grande Guerra, só alcançando a democracia, como região autónoma, nos anos posteriores ao fim da história da queda do muro. Coitado dele, que aceitou ser docente na universidade da coisa, dado que "todos temos as nossas apreciações sobre os tempos que passaram e os tempos que vivemos hoje. O mais importante é o tempo que nos espera."


Tenho um amigo que precisa de um espaço de exílio para poder continuar a lutar para viver. E ele não gosta de ilhas sem lugar, no não-espaço da utopia. Os ministros e directores da Bielochina, porque têm o monopólio da mesa do orçamento, sabem que assim podem comprar, um a um, todos os dissidentes e opositores. Aprenderam com a técnica do raposa, Rodrigo da Fonseca.
Mesmo na Grande Universidade da Bielochina, se o director, além de chefe dos contínuos, também é único director do único centro de investigação, ele tem, com ele, toda a burocracia e todos os intelectuais estadualizados pelos departamentos estaduais da chamada investigação científica, colocando devidamente os seus apoiantes no grande palco dos colóquios e no grande trabalho da doutrina publicada, depois de prévia autorização da estadual mesa censória.
Os outros, os que não se submetem, se ainda não estão no index dos livros proibidos, não são convidados para os grandes colóquios dos grandes anfiteatros e correm o risco de escrever para a gaveta. Até conheço um que, por ser académico de número, nem sequer recebe os convites a que têm direito os correspondentes, assim se oficializando a velha técnica do ostracismo, dado que o apedrejamento está proibido e já não se usam chagunços para a limpeza de corpos. Bastam sucessivos assassinatos de carácter, porque vale a pena o menti, menti, que, da mentira, alguma coisa fica...


Na grande universidade da Bielochina, a investigação depende dos burocratas, a avaliação depende dos burocratas, o livro do ponto depende dos burocratas, o controlo dos videos do "big brother" depende dos burocratas, e a lei é aplicada, com rigor, aos adversários e não aplicada aos apoiantes do chefe, conforme os ditames do totalitarismo doce e do governo dos espertos que até pode gerir a parecerística e os serviços forenses, pagos pela mesma mesa do orçamento. Porque o grande pequeno líder tem o monopólio da ciência possibilitada e o monopólio da palavra dos discursos públicos. Porque os camaradas todos passaram a comensais e esperam que também a eles se aplique a regra segundo a qual, na Bielochina, o importante não é ser ministro, é tê-lo sido.
Os cogumelos da Bielochina são o exacto contrário da academia de Platão, do liceu de Aristóteles e da corporação de mestres e alunos do século XIII. Ficam-se pela edição de bolso da dedução cronológica e analítica, a tal que proíbe o ensino dos repúblicos e monarcómacos, que são todos os que não gostam da monarquia pura. E apesar do anterior marquês já ter caído, o Zé Seabra, autor da dedução, passou para ministro do reino da viradeira e aliou-se ao intendente, essa caridosa figura que instaurou oficialmente a compaixão através da casa pia. O candidato a novo intendente vai teorizar dentro de dias sobre os novos caminhos do "Zeitgeist". E se morrer o dissidente, o comité central, para suprema humilhação do silenciado, até mandará o respectivo inquisidor produzir-lhe o elogio fúnebre, com tiradas sobre a luta contra a droga e colóquios camarários, de camaral escuridão. Porque o camarada deixou de ser homem livre e passou a cadáver, com as obras eternamente na gaveta.


Não é preciso nenhum recurso à teoria da conspiração no reino da Bielochina, inventando-se a conjugação de maçons, jesuítas, opistas e outros que tais, porque basta um relatório com carimbo em inglês, mui pretensamente científico, para que o combate ao terrorismo continue, através do terrorismo de Estado. Porque o Estado de Direito é fórmula que justifica o Estado de Legalidade, até porque a lei se reduz ao mero regulamento, onde todas as letras manuscritas se confundem com os caprichos e os fantasmas do príncipe, o tal que reprime porque tem medo e desconfia do prozac. Porque ali, na ilha do aqui e agora, é lei tudo o que o príncipe diz, e o príncipe não está sujeito à lei que ele pode editar em despacho. A ilha da Bielochina é um tédio e nem sequer nos dão direito a Vale de Lobos. É por isso que vou à manifestação de sábado, apesar de reconhecer que a Maria de Lurdes Rodrigues nada tem a ver com a ilha que hoje inventei. Vou apenas contra os intendentes, as viradeiras e as deduções cronológico-analíticas que, na Bielochina, pensam que são agentes da tal Maria de Lurdes que Sócrates tem, vibrando com a respectiva teimosia que vão traduzindo em calão autoritário, pelo poder vibratório do mau exemplo que congrega adeptos da República de Saló e dos kampucheas de Pol Pot.