a Sobre o tempo que passa: A ignóbil porcaria destes partidos de Estado, procurando o sistema fechado do Estado de Partidos

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

18.1.08

A ignóbil porcaria destes partidos de Estado, procurando o sistema fechado do Estado de Partidos


Corria o ano de 1901. Em 8 de Agosto, por proposta de um governo regenerador, melhor dito hintzáceo, fabricava-se uma lei eleitoral, previamente acordada com os progressistas, melhor ditos lucianistas, onde o bloco central do situacionismo de então procurava evitar a subida ao parlamento de dissidentes e republicanos. Chamaram-lhe a ignóbil porcaria. Porque, como assinalava Júlio de Vilhena: o sistema, que se tornou geral nos partidos, de viver bem com todos, de corromper os mais renitentes, chamando-os ao governo e aos grandes cargos do reino, foi viciando os costumes e os caracteres, de sorte que nos últimos tempos não havia senão interesses e nenhuma dedicação sincera por ninguém. Todos procuravam o seu sossego e as suas comodidades e ninguém tinha coragem para sacrificar a vida. O exército estava corroído pela propaganda, e na classe civil não havia força para arrostar com o elemento demagógico (Júlio de Vilhena).


Em 11 de Novembro, eleições, com inevitável vitória dos regeneradores hintzáceos. Foi manifesta a política dos galopins e caiques, dominando a tal querida máquina que ia prometendo mais sinos e campanários. Não são eleitos deputados republicanos. Já havia 551 437 eleitores (10,3 % l; 40,3% da população masculina maior de 21 anos).





2007, o mais do mesmo do eterno rotativismo, com dois partidos de Estado a quererem capturar o Estado de Partidos. O Estado são eles, como o demontraram no não ao referendo europeu, nas jogadas da banca e no processo de liquidação dos chamados pequenos partidos. Querem uma ditadura das respectivas maiorias, não querem a poliarquia e a consequente protecção das minorias, em flagrante abuso de posição dominante. Sete anos depois matavam o rei. Outros tantos anos depois, seguia-se o presidente da república e o chefe de governo. Salazar estava prestes a encerrar o ciclo demoliberal e a instituir quase meio século de autoritarismo e inquisitorialismo, com fanatismo, intolerância, ignorância e tirania.


Em 1901, o espanhol Joaquin Costa, publicava Oligarquia y Caciquismo: a forma de governo em Espanha é uma monarquia absoluta cujo rei é sua majestade o cacique... Não há parlamento nem partidos; só há oligarquias. Até José Luciano, em 1902, observava: A que se deve atribuir esta situação? Digamos tudo ao País, para que ele possa julgar a todos: - vem dos desperdícios, da necessidade de se alimentarem as clientelas? Vem, em parte. Todos temos culpa nisso. A começar no País, a acabar nos homens públicos.

Entretanto, surge Democracy and the Organization of Political Parties de Moisei Ostrogorski (1854-1919), onde se desencadeia a escola elitista de análise política, partindo do princípio que a propriedade natural de todo o poder consiste em concentrar-se, e o liberal John A. Hobson edita Imperialism, ideia que, depois, Lenine vai aproveitar.






Porque, como depois vai analisar José Agostinho: Havia grande corrupção, na verdade, mas muito menos devorismo do que cepticismo. A Monarquia estava, sim, à mercê de alguns bandos que exageravam tudo para bem ou para mal, segundo os interesses da patrulha, porque, a rigor, já não havia verdadeiros partidos. Em 1903, já Bernardino Machado clamava na Sala dos Capelos de Coimbra: Estamos no ensino como no governo da nação: salvo raras excepções, os governantes pouco se importam com os governados; mal os conhecem, tiranizam-nos, a cada passo; reciprocamente, os governados não respeitam nem estimam quase nunca os governantes, e ao despotismo de cima respondem a má vontade e a rebelião de baixo...Corrupção e opressão, eis o sistema que, insistentemente, por toda a parte, intenta reger-nos. De aí o abatimento do ensino e da nação. Como havemos de reagir? Pelo nosso civismo.

Se sair o Zé Luciano, entra o Hintze, mesmo que apareça disfarçado de João Franco e nem sequer alguma coisa mudaria se vestíssemos o chefe progressista de Alpoim. Acabam todos numa esquina do Terreiro do Paço, na estação do Rossio ou no Arsenal, antes de chegar a tentação da ditadura da cavalariça que o génio da sacristia pode domar.

Nas imagens, caricaturas de Alfredo Cândido, representando D. Carlos, Hintze e Bernardino, picadas aqui