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Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

19.10.07

Habemus Tractum! Foi "porreiro, pá!"...


Hoje, pela madrugada, a Murganheira jorrou pelas gargantas, celebrando o acordo. Mais uma vez, na Europa, ganhou o sim pelo não. O Tratado de Lisboa, que vai além de Maastricht e Nice, quase se aproxima dos Tratados de Paris e de Roma. Se tem o "champagne" da convenção valéria, isso é por homenagem ao maçon Jean Monnet, que era produtor da bebida. Julgo, sem equívocos, que estamos de parabéns, como Portugal Político, e que essa homenagem tem nomes: José Sócrates e Durão Barroso. De forma manifesta.


Sócrates soube escolher uma boa equipa para o processo. De Lobo Antunes a Luís Amado, sem Freitas do Amaral. De António Vitorino a Maria João Rodrigues, com muitos outros, sobretudo jovens peritos. E os deuses todos ajudaram. Barroso, um pouco mais acima, também fica para os anais. E a boa conjugação que, através dos dois, se estabeleceu entre o PPE e o PSE. O cenário do Parque das Nações e do Pavilhão Atlântico, com São Pedro e São Martinho a ajudarem, foi perfeito. Portugal ganhou, aqui, à beira Tejo, de olhos postos na partida Atlântico fora. Como Sócrates sintetizou nos "apanhados" da conferência de imprensa, dirigindo-se a Barroso, no abraço final, "porreiro, pá!". É natural que o nosso primeiro se sinta "um político realizado..."



No plano doméstico, é que a realização se vai engasgando. Porque também ganharam Carvalho da Silva, Jerónimo de Sousa e os duzentos mil que se manifestaram na rua, em nome da pluralidade política e social. Estive com os manifestantes e com os artistas da representação instritucional cimeira, deste novo Congresso de Viena, com a sua hierarquia das potências, onde Portugal, gerindo dependências e interdependências, deu provas de estar vivo, como grande potência espiritual, onde, nalguns segmentos, até estamos nos dois primeiros lugares das hierarquias fundacionais.


Bem recordo do último trabalho universitário em que cooperei com Barroso e da disciplina que ele sempre insistiu em reger: teoria da decisão em política externa. Agora levou à prática aquilo que sempre ensinou. E, na prática, a teoria não foi outra. Noto a faceta planeamentista de Sócrates e a respectiva teimosia. Quando aplicada em objectivos diversos do semear de micro-autoritarismos subestatais, ela pode ser útil ao país. Aos dois, obrigado!


Mas discordo frontalmente da manobra com que alguns pretendem evitar os referendos. Mesmo que concorde com a retórica de Vitorino sobre a não constitucionalidade do tratado reformador, julgo que há promessas que se devem cumprir, por razões substanciais, sem desculpas silogísticas. O povo não pode apenas ir à manifestação da CGTP, tem de ir à urna e que ser mobilizado pela maioria das nossas pluralidades. Por mim, que, na hipótese do outro referendo, logo participei na campanha do "não", estou, hoje, disponível para ir para o "sim". Vamos a ele. É a hipótese que temos de dar democracia ao Tratado de Lisboa.