a Sobre o tempo que passa: Breves notas, mui metafísicas, contra os bacanais do ódio

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

25.9.07

Breves notas, mui metafísicas, contra os bacanais do ódio


Ontem, impressionou-me o discurso de Gordon Brown ao "Labour". Não tanto pelo que disse e mais por aquilo que a cultura política do respectivo ambiente o obrigou a dizer. Disse o que poderia dizer um "tory", pelas mesmas razões que levam a que as ideologias passem e as culturas fiquem, quando assumem que só é novo aquilo que se esqueceu, porque só é moda aquilo que passa de moda. De facto, não há pensamento sem pátria, sobretudo entre os filhos da primeira das revoluções atlânticas que conseguiu ser eficaz porque, como ensina Hannah Arendt, foi uma revolução que fez o exacto contrário de uma revolução.


As revoluções apenas servem para que os escravos prefiram a utopia, dos sítios sem lugar, à subversão da justiça e à eficácia das reformas. Pior ainda são os serôdios revolucionários frustrados que, decretinamente, nos despacham contra a lei e o direito, cumprindo aquela previsão do meu saudoso amigo Mário Sottomayor Cardia, quando falava na subversão a partir do aparelho de poder...


Porque os nomes nunca conseguiram fazer a coisa, eis que o hábito de reformador, mesmo que usado por um revolucionário arrependido, não gera, por si mesmo, o monge criador de qualquer "ratio studiorum", sobretudo quando esta impõe que se faça crescer para cima e para dentro.


Há palavras que só podem acontecer, sentidamente, quando se vive como se pensa. E há dias de, assim, viver o segredo de viver. Dias em que voltamos ao prazer da criação. Dias de olhar quem somos, em sinfonia. Neste esvoaçar da metafísica de um som que nos dá sonho. Para colhermos, na emoção da paisagem, uma simples semente de liberdade.


Há dias peregrinos, de todo o mundo ser espaço de passeio, neste caminhar por caminhar, sem procurar chegar. Há dias de sorver todo o azul que nos trouxe o tempo de mudança, dias de viver inteiro, sem que os muros nos detenham.

Porque hoje não apeteceu sulcar os meandros eruditos, académicos de tantos livros que não li. Preferi recordar Antígona: não nasci para odiar, mas para amar. Há húmidos caminhos do sublime, esse fluido dos deuses onde, vencendo os limites, não varamos as regras eternas e imutáveis que ninguém sabe como surgiram e que, de nenhum decreto, tiveram vigência.


É esse o sinal distintivo da criação. Que seria de nós, simples mortais, se não ousássemos, de vez em quando, o mais além? Sem esse prazer de viver, viver não teria sentido...


Sou tanta gente antes de mim que, quando por mim dentro me procuro, é em todos os outros que me confundo. E assim, com os outros, em comunhão, sou bem mais do que me penso.
O antigo já foi moderno, de que o moderno há-de ser antigo. Só há o verdadeiro no tempo, mas fora do tempo...


PS: Chagall, com toda a metafísica cumplicidade