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Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

29.8.07

Foi linda a festa...


Foi linda a festa, a da minha mãe, a das memórias da minha avó, a irmã, os filhos, os amigos, a terra pátria, onde estão os restos de meu pai. Voltei a ser quem sempre fui, menino de olhos vivos que subia às árvores para poder ver mais além, as unhas sujas de terra e o sabor das coisas iniciais. As tangerinas comidas no quintal, o verde rumor das ribeiras e as regas em noites de verão. Sou quem sempre fui, porque fui além de mim mesmo e fui mais do que eu.


Foram longos os anos de exílio voluntário, por causa do tal papel social que tenho de representar, do “curriculum”, do “cursus honorum”, da carreira, do posto de vencimento que dá de comer aos meus. Do tal “negotium” que condiciona o “otium” da minha liberdade e onde talvez trabalhe mais que no próprio trabalho que tenho de fazer. Mas agora não apetece recordar os sítios estranhos onde tenho de fingir viver essa falsa identidade que todos dizem ser minha.


Valeu a pena não perder meu ser, nos jogos ocasionais da fortuna e do azar. Valeu a pena esperar. Estou aqui, ainda tenho as mãos livres. Estas mãos de saudar madrugadas, a esperança semeada pela renúncia. Estou aqui, sou livre. Consegui vencer os medos e retomar a sinfonia.


Ousei a liberdade, ergui as mãos em prece e em silêncio agradeci. Ainda sou fiel ao desígnio de viver. Ainda sou quem fui e sonhei ser. Trago as mãos livres, estas mãos de sonho que outrora semearam primavera. Estas mãos de moldar fidelidade que não temem as algemas.