a Sobre o tempo que passa: É proibido ter memória... a cegueira voluntária é o pior dos atestados e defeitos da vida mental portuguesa

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

23.8.07

É proibido ter memória... a cegueira voluntária é o pior dos atestados e defeitos da vida mental portuguesa




Há quem diga que os mais sublimes exercícios da liberdade nascem quando esta, em vez de reduzir-se a mera concessão do soberano vencedor, vive a raiva de poder ser uma conquista dos oprimidos, quando ela se assume como um insolente exercício da rebeldia contra a desordem instalada. Acontece que, quando o homem revoltado actua apenas num microcosmos pré-político, ainda por cima rodeado por um ambiente global de Estado de Direito dito democrático, qualquer grito de alforria pode arriscar-se a ser interpretado como picardia diletante de quem quer colocar-se em bicos de pés para armar espectáculo de exibicionismo ou narcisismo.


Por isso me custa, ter que continuar a usar este espaço para uma defesa de uma aparente microcausa, especialmente quando o abstracto censor faz parte daqueles surfistas das ondas do poder burocrático que apenas pensam em cavalitar nas ondas da vaidade e raramente reparam nos efeitos destrutivos do tal belo horrível, bem expresso pelo dedilhar da lira da música celestial da lenda de Nero que continuou imperador, apesar de uma cidade ter ardido.



Mesmo assim, não posso deixar de assinalar mais apoios recebidos: do
João Carvalho Fernandes, do Jumento, de Rádio Macau, do Alcatruz, do Zé Coelho, do Almocreve das Petas, do Almanaque Republicano, bem como de alguns outros cujo rasto nos registos do "sitemeter" perdi, devido ao número de coonsultas. Permitam-me que destaque os meus colegas de luta pelo direito à memória do Almanaque Republicano e do Almocreve:




Um censor alucinado, maliciosamente alojado no ISCSP e a coberto de um presuntivo iletrismo informático, apagou o valioso e estimado acervo do Centro de Estudos do Pensamento Político (CEPP) laboriosamente lavrado pelo professor José Adelino Maltez.

O lugar (CEPP) que tão bem soube agasalhar um infindável rol de personagens que são pertença da nossa história; esse abundante inventário, ordenado e minuciosamente classificado de homens, mulheres e eventos da nossa memória colectiva; esse conjunto de verbetes únicos sobre o pensamento político português; os valiosos quadros cronológicos facultados; tudo o que era uma fonte de consulta obrigatória para estudiosos, leitores atentos ou simples curiosos, lastimosamente se esfumou da rede. O "reservado", onde tantas e tantas vezes recorremos para trabalhos biográficos ou simples iniciação, foi extraviado.

Essa biblioteca virtual, que com mérito e generosidade o professor José Adelino Maltez construiu e nos honra, sofreu um rude "apagão" às mãos da ignorância, da irresponsabilidade e da arrogância de "mandarinatos universitários" (citando Vital Moreira), que ontem como hoje têm da cultura, do trabalho e do ensino um insaciável desprezo. Que esses fantasiosos académicos, neste país de "muita vergonha", habitem o Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP) e a Universidade Técnica de Lisboa, surpreende pela sua gratuidade e impressiona. Não sabem dignificar a instituição, revelando, bem à maneira do que diz o vate Pessoa, que a cegueira voluntária é o pior dos atestados e defeitos da vida mental portuguesa. E que é proibido ter memória.


Também o "Jumento", habitual vítima dos mesmos devaneios dos desenhadores mentais do PRACE, onde a coincidência até tem o mesmo responsável, observou:
O caso do apagão do CEEP, um trabalho do professor Adelino Maltez do ISCP, parece ser um mais um caso de mediocridade, alguém não gostou que houvesse algo de útil feito pelo professor Maltez e com um simples “DEL” escangalhou uma base de dados única e útil para muitos estudantes de ciência política. A Universidade que se imagina centros de disseminação e multiplicação do saber acaba por ser um exemplo de mediocridade onde muitos asseguram a sua sobrevivência destruindo o saber alheio. Mas desta vez tiveram azar, tropeçaram no professor Maltez que, como diz o povo, parece ter sido “enxertado em corno de cabra” e, como se isso não bastasse, ficaram com a blogosfera e muito graças as esta também com a comunicação social à perna....




Sucede que a Universidade Técnica de Lisboa é pago com os dinheiros dos contribuintes e no caso do portal silenciado por um qualquer idiota que ainda não reparou que a Santa Inquisição há muito que se resguardou nas sacristias, houve também um financiamento com dinheiros da FCT. A autonomia universitária não serve nem para transformar as universidades em escolas privatizadas por e para proveito de alguns dinossauros locais nem para esconder o que por lá se possa fazer com o dinheiro cobrado aos contribuintes.


Mas como o Estado funciona ficamos à espera que as instituições actuem, se os responsáveis do ISCSP são incapazes de apurar o que sucedeu é inevitável que seja a Inspecção-Geral do Ensino Superior a intervir. Cabe ao ministro Mariano Gago intervir pois o ruído é mais do que suficiente para que tome a iniciativa a que legalmente está obrigado.




Reparo, agora, que a aparente microcausa tem muitos outros paralelismos, dado que muitos outros "sítios" desaparecem quando novos donos do poder usurpam anos de trabalho, especialmente quando, com algum atraso, estes descobrem que há servidores, páginas e até blogues. Apenas tenho saudades de certos tempos de pioneirismo, quando, mesmo na minha escola, participei nas primeiras aventuras informáticas, com jovens estudantes e monitores, iniciando de forma artesanal a primeira sala de computadores e as primeiras aventuras, ainda no século passado, antes da chegada dos grandes sistemas, das grandes regras e dos engenheiros de vão de escada, formados em universidades também de vão de escada, quando a imaginação do "software", incluindo o piratado, não estava dependente do ónus do "hardware" dos almoxarifados e dos economatos, gestores das verbas com que também se compram os rolos de papel higiénico, as borrachas, os lápis azuis, a lixívia e os suplementos de vencimento para os cabos eleitorais do chefe. .