a Sobre o tempo que passa: Um lugar do sul, um lugar de sal, entre alcatruzes e a terra estreita

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

31.7.07

Um lugar do sul, um lugar de sal, entre alcatruzes e a terra estreita




Para os devidos efeitos se informa que estou por aqui, bem pertinho dos alcatruzes dos polvos, cá para as bandas de Santa Luzia, onde a componente autóctene e piscatória ainda domina os serviços turísticos. O arroz de lingueirão continua óptimo e a viagem para a Terra Estreita, para além de hora e meia de espera no passadiço, em certos dias, demora apenas cinco minutos.

Várias vezes, a ilha largou do continente, esquecendo-se da campanha para a eleição do líder do PSD e das novas contratações do Benfica. Há um poço de água fresca e sabe tão quente sentir cair o dia no sapal, com este cheiro intenso de maré vazia. Depois, há noites de lua cheia e barcaças que nos levam para o outro lado de quem somos.


Sobretudo, um braço de mar que entra por mim dentro. E sempre a procura de um sítio onde pensar-me, um simples lugar que me dê mais tempo, para poder perder meu tempo. Porque assim posso voltar a ser menino na praça das cidades abertas, voltar a ser olho marinho, com todos os sonhos que outrora me sustiveram, lá nas alturas da janela do meu sótão.
Não trouxe livros para ler nem consumo semanários de análise política. Porque vivendo em um novo lugar, andei absorvido durante os primeiros dias a captar a alma do sítio, dando passeios matinais para saber onde se compra o pão, onde fica a barbearia do senhor Bento, etc... Porque é melhor conviver numa vila onde viva gente do que refugiar-me na paliçada de um qualquer hotel com "spa" e fila para o pequeno-almoço sempre igual.
Ainda há pouco tropecei no imprevisto do dia, quando, na primeira caminhada, em plena rua, uma velhinha, de negro vestida, ao cruzar-se comigo, me saudou com um sonoro e feliz "bom dia". E lá recordei esse resto de civilização que o mundo não urbano ainda conserva e que ostensivamente me envergonhou, eu, capitaleiro, de rurícolas origens, que já nem sequer é capaz de praticar as regras da boa educação que aprendeu de seus avoengos. Respondi-lhe evidentemente: "bom dia, minha senhora".