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Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

16.7.07

Retalhos de uma noite de crepúsculo rotativista, com ginecologistas a trabalharem onde os outros se divertem


Depois de José Miguel Júdice, o ginecologista a trabalhar onde os outros se divertem, anunciar como mandatário de António Costa aquilo que José Sócrates há-de qualificar como a chegada de um novo tempo, veio Louçã proclamar que se deu um terramoto das direitas, talvez porque o PNR ultrapassou as votações de Monteiro, até que Portas entrou em tabu e Mendes convocou eleições no PSD. Gostei mais de Fernando Dacosta quando observou que se estava a assistir a uma "saturação dos portugueses face a esta uniãozinha nacional" que açambarca a democracia.


Na verdade, os resultados confirmaram o óbvio: cerca de três quartos dos eleitores não sufragaram a partidocracia. Se juntarmos abstencionistas e votantes em independentes não integrados em listas partidários, houve uma maioria absoluta contra os rotativistas do Bloco Central e dos seus opositores sistémicos.


O PS teve a maior votação desde há 31 anos, melhor do que os resultados de Jorge Sampaio e João Soares (dizem os vitoriosos), coisa que o PCP comentou, ao dizer que o PS teve a menor de todas as maiorias que até agora se registaram em Lisboa. Jerónimo diz que passou a ser a terceira força política de Lisboa, mas foi ultrapassado pelos carmonas e pelos rosetas. Está aqui um grupo grande de Famalicão...


Portas não quis falar politiquês, preferiu o portês do tabu. Telmo ganhou porque no início da campanha as sondagens lhe davam apenas 0,8% e acabou por vencer o MRPP e os monteiristas. Partido onde não há votos, todos ralham e ninguém tem razão... Há gente de Bobadela, Cabeceiras de Basto... não sei ao que vim... ninguém me disse nada... mas demos uma volta pelo convento de Mafra.

Tudo culminou com a alegria espontânea do comício de Costa, com excursões de Cabeceiras de Basto e do Teixoso, futuras geminações da nossa capital, embora Jorge Coelho se tenha enganado quando fez mal as contas e disse que menos do que 30% de Costa eram mais do que o dobro de Carmona (quase 17%). Artur Agostinho disse que Carmona conseguiu chegar à Liga dos Campeões, Negrão vai inscrever-se no PSD e Feist fala em traições de quem tirou o tapete ao "motard". Todos têm a consciência absolutamente tranquila.


Os grandes vencedores da noite são duas mulheres: Maria José Nogueira Pinto e Paula Teixeira da Cruz. Porque em tudo o que elas até agora se meteram como protagonistas políticas a casa veio sempre abaixo. Da pala do Sporting, enquanto sub-secretária de Estado de Pedro Santana Lopes, à candidatura monteirista que encabeçou contra Portas no CDS, passando pela vereação de Lisboa do mesmo CDS, sob a presidência de Carmona, eis o que ela tem entendido pela nova direita, sempre satélite e sempre charneira da bomba ao retardador. Do mesmo modo, Paula, a advogada avençada da Universidade Atlântica, a vice-presidente do PSD e a presidente da comissão distrital do mesmo partido, sempre com Marques Mendes.
Carmona terminou o ciclo e mereceu ficar feliz. Toda a comissão de honra comemorará o centenário do festival da Eurovisão na secção do Parque Mayer do restaurante Solar do Conde, daqui a dois anos. Só os apoiantes de Roseta têm futuro, porque roubaram dois vereadores ao sonho do Zé. Prefiro que a tutela de certa revolta da sociedade civil não seja assumida por Louçã e Fazenda.
Costa, apesar de tudo, mobilizou não partidocracia e soube federar interesses. De Júdice a Saldanha Sanches, de Maria Elisa Domingos a outros clãs da "intelligentzia" instalada, incluindo alguns da campanha Alegre, como Inês Pedrosa a Ana Sara Brito. Deu um balãozito de oxigénio à presidência europeia de Sócrates que não se mostrou feliz, como Carmona, mas se sentiu aliviado. Hoje não falamos de tiques autoritários nem da entrevista de Saramago.


Portas, com o deputado EMEL, o advogado do ambiente que perdeu as eleições em Coimbra e a deputada de Leiria, deixou Telmo arder no palco, mesmo que agora se desculpem com a circunstância de terem sido abalroados por submarinos de cortiça tirada dos sobreiros que estavam a ser arrancados de herdades perto do Poceirão e do campo de tiro de Alcochete. Portas percebeu que pertence ao pretérito perfeito e ao futuro condicional dos políticos que mesmo depois de morrerem, por sete vezes renascem.





De qualquer maneira, Carmona foi duas vezes melhor do que Sá Fernandes e António Costa, sem necessidade de recurso ao burro que trouxe de Loures, acabou por sentar-se nos Paços do Concelho, embora com dez por cento menos de povo do que Santana Lopes. Começou a campanha eleitoral para a maioria absoluta daqui a dois anos. Manuel Monteiro espera ser convidado para uma coligação dos santanistas alargada aos independentes.

Um quarto de hora antes de perderem, todos vão de vitória em vitória até à derrota final, quando a soma da situação e da oposição é inferior à indiferença activa, à boa maneira do sábio gesto do nosso Zé Povinho, de um Bordalo que não podia ter lido David Easton nem Robert Dahl. Nunca a democracia esteve tão pouco sustentada pelos partidos.