a Sobre o tempo que passa: A fotografia do regime

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

21.6.07

A fotografia do regime


Julgo que esta simples fotografia reflecte a imagem de certa faceta do presente regime. Direi mais: do melhor que o actual regime tem. Sem qualquer ironia. Nela se simbolizam todos os responsáveis pelo futuro das universidades portuguesas.

Todos estes autores e co-autores dos amanhãs que nos vão reformar têm inequívoca autoridade e brilhantismo político e académico. Mesmo aquele que chegará a doutor quando a vida lhe der o intervalo de tempo para aplicar o que tem dentro de si. Quase como fez o seu colega mais à direita, meu antigo professor. Porque o ex-comissário já tem experiência de alta consultadoria universitária, como recordo da sua solene tomada de posse enquanto consultor da privadíssima e pouco cooperativa Universidade Internacional de Veiga Simão e Adriano Moreira, com telejornal, togas e discursos de fazer chorar as pedras da calçada, antes de este último substituir o penúltimo como grão-avaliador e de o mesmo penúltimo substituir o antepenúltimo na pasta da defesa, para que o antepenúltimo fosse para Bruxelas, o penúltimo fosse lixado com a lista dos espiões e o último acabasse por não gostar do Gago, nestas trocas, baldrocas e trapalhadas dos estreitos notáveis a que chegámos, no vira o disco e toca o mesmo, dos jobs for the not-boys, com muito comer e calar, onde tenho muitas saudades do ministro Sottomayor Cardia.

Aliás, não consta da fotografia nenhum dos fundadores do PS. Um veio do PCP. Outro da UEDS. O terceiro da física atómica. E tal como registo que os actuais líderes do PS e do PP vieram da JSD, também reparo como, nos abaixo-do-assinado, circulam fascistas e estalinistas que ainda há dias gaguejavam os seus encontros imediatos de primeiro grau com o espírito de Bolonha. Para que não nos dividamos entre inquisidores e cristãos-novos em disputas sobre limpeza de sangue.

Não fui ontem ao debate público sobre a matéria, onde se anunciou que cerca de metade da minha universidade seria objecto de fundacionamento. Nem irei ao que está anunciado para a cidade do Porto, apesar de estar na mesma cidade, a convite do partido que está no governo, para outro mais transcendente debate sobre a Europa.

Aliás, ontem, tive mais uma discussão do sexo dos anjos naquela pequena Bizâncio de um enorme conselho dito científico que não nota o estreito em que se encolheu, sem reparar na chegada dos jovens turcos à porta da cidade. Há quem prefira continuar agarrado ao lugar do morto, disputando em exaltadas tecnocratices os despedaçados sapatos do defunto...

Como não assinei o abaixo-assinado anti-gago, apenas recordo que tenho dito o que penso sobre a matéria e que até o formalizei em lugar próprio, em sessão formal do Senado da minha universidade, onde cumpri o dever de ser uma das solitárias vozes que não entraram nas divagações teológicas da música celestial do respeitinho pelos micropoderes, fugazmente instalados. Irei lutar para que os restos da UTL que não estão sujeitos ao justo fundacionamento se livrem do afundacionamento.

A universidade não é o preto e o branco do sim e do não. Logo, não serei eu a dizer que a onda instalada no poder é o diabo contra o deus dos abaixo-assinados. O maniqueísmo é o contrário da necessária complexidade que deve marcar a ideia de "universitas scientiarum".

Por mim, apenas quero viver numa pátria onde o ministro do interior não lave as mãos como Pilatos, se o agente da polícia secreta assassinar o chefe da oposição. Prefiro aquele onde o ministro das obras públicas se autopuniu quando caiu a ponte Hintze Ribeiro. Por isso não quero saber quem é o responsável pelas juntas médicas que obrigaram uma professora a morrer no seu posto. Felizmente que temos um ministro da justiça que, quando era ministro das polícias, disse que não era essa a sua polícia. Porque também na altura o presidente da república clamou pelo direito à indignação por causa de um simples agente da autoridade.

Julgo que a culpa não pode continuar a morrer solteira. Por isso, louvo a coragem de Gago e de quem o acompanha. Eles assinaram. Os outros que se assumam livremente, sem a tutela do CRUP e dos anexos avaliadores, especialmente quando caíram nas estreitas teias do lobismo.

Se tudo fosse Maniqueu, preferiria a fotografia do regime. Por isso, continuo a seguir Miguel de Unamuno: Éste es el templo de la inteligencia! ...Vosotros estáis profanando su sagrado recinto. Yo siempre he sido , diga lo que diga el proverbio, un profeta en mi propio país. Venceréis, pero no convenceréis, porque convencer significa persuadir, y para persuadir necesitáis algo que os falta: razón y derecho en la lucha.

Pouco antes, Unamuno dissera "Acabo de oír el grito negrófilo de "¡Viva la muerte!". Esto me suena lo mismo que "¡Muera la vida!". Y yo, que he pasado toda la vida creando paradojas que provocaron el enojo de quienes no las comprendieron, he de deciros, con autoridad en la materia, que esta ridícula paradoja que me parece repelente. Puesto que fue proclamada en homenaje al último orador, entiendo que fue dirigida a él, si bien de una forma excesiva y tortuosa, como testimonio de que el mismo es un símbolo de la muerte. ¡Y otra cosa! El general Millán Astray es un inválido. No es preciso decirlo en un tono mas bajo. Es un inválido de guerra. También lo fue Cervantes. Pero los extremos no sirven como norma. Desgraciadamente hay hoy en día demasiados inválidos, Y pronto habrá más si Dios no nos ayuda. Me duele pensar que el general Millán Astray pueda dictar las normas de psicología de las masas. Un inválido que carezca de la grandeza espiritual de Cervantes, que era un hombre, no un superhombre, viril y completo a pesar de sus mutilaciones, un inválido, como dije, que carezca de esa superioridad de espíritu, suele sentirse aliviado viendo como aumenta el numero de mutilados alrededor de él (...) El general Millán Astray quisiera crear una España nueva, creación negativa sin duda, según su propia imagen. Y por ello desearía una España mutilada..."

Para bom entendedor de paradoxos, meio discurso de Unamuno basta. Não houve sumos sacerdotes no templo. E mesmo este episódio de Salamanca não é unívoco. Porque entre, Unamuno e Astray, apareceu o grito do poeta José Maria Pemán, do viva a inteligência, morram os maus intelectuais. E os três estavam do mesmo lado da barricada, isto é, com o alzamiento franquista. Seria também verdadeiro notar que os grandes pensadores da Agrupación al Servicio de la República, como Gregorio Marañón, Ortega y Gasset ou Pérez de Ayala não tinham sido ouvidos, a tempo, quando denunciaram os desmandos que causaram a espiral violentista da guerra civil e da posterior vindicta franquista, dado que, nos dois extremos, quem venceu em poder não convenceu em autoridade.

Estavam em disputa quanto a concepções do mundo e da vida, no âmbito de uma facção em guerra, num tempo dividido entre os do vivam e os do morram, onde, para se dizer viva se tinha de matar. Prefiro que não tenha de haver discursos de Unamuno, evitando que os intelectuais caiam na intelligentzia e que a cultura se volva em kultura. Daí que a universidade deva continuar a ser universidade, porque mesmo entre militantes da mesma ideia se deve começar o discurso da seguinte forma unamuna:

Estáis esperando mis palabras. Me conocéis bien, y sabéis que soy incapaz de permanecer en silencio. No aprendí hacerlo en los setenta y tres años de mi vida. Y ahora no quiero aprenderlo. A veces, quedarse callado equivale a mentir. Porque el silencio puede ser interpretado como aquiescencia.