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Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

13.4.07

Temos o primeiro-ministro que merecemos, uma mossa atrás, duas bossas em frente, a caravana passa e só os vermes vão ladrando

Virada a página dos meandros curriculares do Engenheiro Sócrates, digo-o sem ironia, mas por cortesia, como o exige esta sociedade da Corte, e das pressões que, em boa hora, substituíram os cortes da censura, quase me apetecia sugerir que voltássemos às boas tradições parlamentares, quando a assembleia vintista não quis dispensar um jovem redactor parlamentar da época, que precisava de ir a Coimbra concluir a respectiva graduação, e tratou de lhe atribuir, pela via da legalidade, o título em falta...

Em contraponto, talvez mais realista, importa recordar que algumas das mais sufragadas personalidades políticas do país, em termos demoliberais, no auge das suas maiorias absolutíssimas, acabaram por abandonar o poder por coisas minimalistas. Foi Fontes Pereira de Melo em torno de uma dessas quezílias à moda do Minho, entre Guimarães e Braga (a primeira cidade, sem ser por causa de Vizela, queria passar para o distrito do Porto...). Foi Cavaco Silva, por causa de um "tabu" ainda não revelado (não me parece que tenham sido as guerras de Nogueira contra Loureio por causa das portagens...). Foi Guterres, quando sentiu o pantanal (não me parece que bastem as estórias do cunhado...). Isto é, tem sido sempre o fogo lento a transformar os membros inferiores dos gigantes em vulneráveis pés de barro.


Sejamos claros: ninguém de bom senso quer que o Presidente Cavaco dissolva o parlamento e provoque eleições gerais. Julgo até que os principais interessados na não dissolução são os barões assinalados, mas já poucos, do PSD, que ainda não se consensualizaram quanto a um líder predador que seja capaz de os voltar a levar ao poder. Reparo até que nem os anti-socratistas do PS querem provocar a instabilidade, mesmo sabendo que, se agora voltássemos às urnas, obteriam uma refrescada maioria absoluta. Por outras palavras, as forças mais interessadas na subversão da credibilidade do actual situacionismo governamental apenas estão a lançar balões de ensaio para a habitual guerrilha do "poker" interno, no âmbito dos blocos de conquista do poder do decadente Bloco Central de interesses e cunhocracia. Daí o regresso de Santana Lopes ou de Paulo Portas, dois excelentes profissionais desse tipo de paúlismo, com rumsfeldismos à mistura...

Aliás, o episódio Independente ainda vai em certo átrio processual e espero, com alguma curiosidade, a defesa que Rodrigo Santiago vai levar a cabo face às tradicionais fragilidades técnicas dos juristas do Ministério das Universidades, bem expressas nos projectos de diplomas que já semearam sobre as fundações universitárias ou o estatuto da carreira docente. E as anunciadas voracidades, também já manifestadas pelas privadas da concorrência, a fim de receberem as propinas das principais vítimas deste processo, se forem objecto da necessária, independente e rigorosa inspecção, poderão deixar mossas gravíssimas na já fragilizada credibilidade do sector. Ao contrário do que proclamou o ex-ministro Mendes e com a ingenuidade de quem nunca experimentou essa sensação do supremo mando ministerial, julgo que as inspecções estaduais, apesar de tuteladas, devem estar dependentes de uma ideia de Estado de Direito... caso contrário, contratem advogados que possam vir a ser seus futuros vice-presidentes partidários.

Ao contrário do que aconteceu no caso Moderna, onde se encontrou a media via, de um ilustre catedrático, ex-ministro do sector e futuro deputado europeu, assumir a reitoria, mantendo a transição, agora temos uma ameaça de vazio e debandada, que podem não ser boa alternativa. Basta recordar-me do que há uns anos aconteceu a uma privada em falência, onde vi professores da mesma a serem contratados pela rival, desde que também transportassem os alunos da anterior, coisa que até no âmbito das regras de concorrência do mercado meramente económico seria punida, mas onde todos lavámos as mãos como Pilatos...

O Engenheiro Sócrates, como Primeiro-Ministro, mantém toda a sua legitimidade. Do alto de um absolutismo democrático e de uma opinião pública que não lhe fará guerrilha global, ele ainda pode dar o salto costumeiro de
uma mossa atrás para duas bossas em frente, porque os cães ladram, mas a caravana passa, tal como os ex-maoístas, neocons e neolibs que mordem e remordem, mas se ficam pela vermicidade da vindicta. Contudo, ficou para sempre o registo de uma ameaça de tempestade e as consequentes olheiras de angústia, como todos poderão confirmar nas political quotations da Internet.

Mas não foi isto que levou Aznar à derrota eleitoral. E também não foi por esta causa que Collor de Mello acabou "cassado". Seria ridículo que a PGR repetisse um inquérito à Lewinski contra Clinton. O episódio não passará de uma nota de pé-de-página da história, bem ao nível das conversas gravadas de Valentim Loureiro, hoje reveladas no "Correio da Manhã", onde o barrosismo ficou com as orelhas em rubro.

Por mim, não quero que o chefe do governo de Portugal seja reduzido a essa dimensão. Sobretudo, por causa de Portugal. Temos o primeiro-ministro que merecemos, a culpa já não vai morrer solteira e os sucessores de Ramiro Valadão já não são
delgados.