a Sobre o tempo que passa: Parabéns aos homens de sucesso!

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

16.3.07

Parabéns aos homens de sucesso!



Almoço, em solidão, em plena cidade, diante do sol, olhando as árvores e as rolas e sentindo a água correr, aqui nos Moinhos de Santana, para me olhar por dentro e esquecer os pequenos cabrais que continuam a instrumentalizar os nossos atavismos devoristas e inquisitoriais, gerindo os interstícios do poder com o manhoso jogo das promessas da habitual política de empregadagem, com que delambem os restos pútridos que caem da mesa do orçamento, onde não faltam os sempiternos intelectuários que se costumam manipular pela avença e a engenharia dos subsídios, a que agora chamam projectística e consultadoria.



A culpa está na circunstância de os homens livres serem um bem escasso, dado que poucos podem viver honestamente, praticando o que vão pensando, porque a chamada história dos homens de sucesso parece registar esse híbrido de fascista cobarde e de ébrio inimputável, sempre à espera do favor decretino, mas propagando pequenas cortes de seguradores de copo e de abridores de garrafa, em sucessivas tragicomédias. Os que, de tanto se submeterem para sobreviver, já nem sequer sabem lutar para continuarem a viver.



As gentes de antes quebrar que torcer, que homens e mulheres dessas cortes não podem, nem querem, ser, já nem sequer têm cais de partida, donde larguem naus de sonho que nos levaram para a busca do paraíso ou a ilha dos amores. Porque quem ama a ideia de Portugal e a quer servir como português à solta, libertando-se das amarras que nos acirram o desterro interno, já nem sequer pode usar o primeiro direito dos homens que é o ius ambulandi, neste cativeiro de homens-lapas, agarrados aos postos de vencimento.



A pátria está presa nas teias das manigâncias dos filhos, sobrinhos e primos de algo, esses vingativos e invejosos carreiristas que nos amarfanham, procurando controlar-nos de acordo com os procedimentos constantes do manual das velhacarias e vigarices dos inquisidores, moscas e bufos, mesmo quando rezam o terço todos os dias, editam santinhos e se ajoelham na dominical missinha. Apenas agradeço que continuem nessa apoplexia acumuladora de cargos e suplementos financeiros, para que possam explodir em verdade, deixando que se quebre o verniz e surja o caceteiro impiedoso e devorista que faz parte da sua natureza.