a Sobre o tempo que passa: Hermenêutica conciliar, bésculas e obras divinas peninsulares, para que volte D. Sebastião

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

14.11.06

Hermenêutica conciliar, bésculas e obras divinas peninsulares, para que volte D. Sebastião


Perdoem-me, estimados leitores, que este postal não seja escrito em canónico latim vulgar, nem tenha tido prévio "nihil obstat" da Calçada da Palma de Baixo, através das distintas intelectualidades do múnus juri-eanista navarrense, desde o reitor-candidato a reitor primaz, ex-militante do MES até Dezembro de 1975, ao constitucionalista mor do concílio, cujas avenças pagam certamente IRS.

Acontece que não posso deixar de registar o meu protesto: não fui ontem convidado para ir ao Grémio Literário assistir ao comício de imprensa da Conferência Episcopal, onde se fazia a defesa da dissertação de doutoramento de Pedro Santana Lopes, que, segundo consta, tem como objecto a hermenêutica das aulas proferidas pela Professora Maria Cavaco Silva na sacristia da Faculdade de Direito da Universidade Gregoriana da Boliqueime.


Porque nela, a páginas tantas, criticando-se a última crónica de Fernanda Câncio no "Observador do Vaticano", se proclama que o Estado não tem competência para despenalizar crimes que o sejam por natureza, embora se aceite a estatolatria de lhe reconhecer competência para os manter, mandando que a natureza dos polícias, dos tribunais e dos cárceres mantenham aquilo que devia ser apenas julgado pelo tribunal da consciência, nessa ciência dos actos do homem como indivíduo, a que, desde sempre, se chamou moral.

São 423 páginas de argumentos para concluir que houve uma "dinâmica de dissolução" e "derrube" do Governo, em que ao fio das estórias sustenta uma única tese, a de que "havia como que uma esquizofrenia de um lado o Governo a funcionar em pleno; do outro, uma vaga exterior que se auto-alimentava de premissas erradas e que tudo parecia arrastar atrás de si".

Por mim, sempre julguei que a natureza tinha a ver com o dever-ser do objecto perfeito e do melhor regime, conforme as teses subscritas pelo relativismo da neo-escolástica peninsular, defensora do direito natural de conteúdo variável, onde as essências, que as há, apenas o são se forem recebidas pela existência, mesmo a que seja da opinião comum dos que pensam de forma racional e justa, dando o eu às circunstâncias do tempo que passam.

Aliás, conforme podemos ler na imprensa sensacionalista de hoje, o neto mais novo matou a avó e escondeu o corpo, porque há cerca de uma semana que Hermínia Martinho, de 74 anos, não era vista pelos vizinhos nem por familiares mais próximos. O cheiro nauseabundo oriundo de uma arrecadação ao fundo do quintal, propriedade daquela idosa, em Samora Correia, Benavente, acabou por revelar finalmente, anteontem, um corpo em decomposição há já vários dias.





Tudo aponta para que a septuagenária tenha sido assassinada à facada pelo neto mais novo. Até porque "penalizam quem sempre cumpriu com obrigações", como afirma o reitor da Universidade do Porto, José Marques dos Santos, que não poupa críticas ao Governo, por causa dos cortes orçamentais de 53 milhões de euros no Ensino Superior público. Vale-nos que o provável aumento do Salário Mínimo Nacional (SMN) dará apenas para um café por dia, tendo em conta a perspectiva mais optimista.

Julgo que o principal problema lusitano está na importação de conceitos iberistas, mas de carácter filipino, tudo por causa dos inúmeros candidatos a Cristóvão de Moura que pululam nas nossas elites, esses que querem servir o filho de Carlos V na Flandres, sem falar nos que não sabem que, afinal, balbuciam as teses de Miguel de Vasconcelos, esse ministro do reino por vontade estranha que foi um dos primeiros teóricos portugueses do conceito bodiniano de soberania. Manuel Alegre dixit.


É por isso que me sinto cada vez mais próximo do Manuelinho de Évora, que voltei a mergulhar no visionarismo de D. João de Castro, esse insigne repetidor das teses do sapateiro de Trancoso, e não o das barbas, nesse esoterismo dos mitos lusitanos que nos transformou em guerrilheiros sebastianistas.


Infelizmente apenas temos direito a bésculas sem Garzón, a bêcêpês sem Escrivá e a uma justiça que vai a congressos do PND e a programas de pastéis de nata, sempre em buscas e buscas que não acham nada, neste enquanto o pau vai e vem, folgam as costas, porque os julgamentos não podem ser feitos com parangonas e fugas ao segredo de justiça. Prefiro continuar a ler o testamento de D. Luís da Cunha, que era magistrado e tudo, mas que se conseguiu libertar do corporativismo e disse a verdade sobre os ambientes dilatórios.








Depois de tantos choques noticiosos, decidir continuar a ler Justus Lipsius, autor de Politicorum, de 1589, obra posta no Index pelo papa Sisto V, em 1590, mas que, depois da conversão do autor ao catolicismo, foi revista no sentido filipinamente católico, em 1596.

Porque la principal fuerza y honra no solo proceda del príncipe, sino que se esta cerca de el. Digo del principe, para que despache los mayores negocios el mismo, o al menos los ratifique y apruebe, firmándolos, por no enflaquecer el vigor del principado con remitirlo todo al Senado y consejos. No porque desprecie los consejos, pues los he persuadido con muchas veras, sino por desear que todo el mundo entienda que es el principe de quien dependen todos. El solo ha de ser juez y arbitro de las cosas por derecho y nombre de rey. Los reyes, que son senores de los negocios y tiempos, no sieguen los consejos, si bien tiran a si todas las cosas con ellos. Si algo se suelta de esto, el todo se pierde. Tal es la condicion del imperio, que no se puede mantener si no es remitido a un solo.

O meu sebastianismo aproxima-se cada vez mais daqueles conspiradores que el-rei Junot foi encontrar no miradouro de Santa Catarina e que, em todas as manhãs de nevoeiro, iam olhar a barra do Tejo, não à espera de um rei que efectivamente não morreu, mas antes da esquadra dos aliados britânicos, quando estes ainda não eram amigos de Peniche. Porque, entre o mito e a utopia, há a distância que vai da revolta da Catalunha ao Primeiro de Dezembro de 1640 e a 28 anos de guerra com Madrid e o Vaticano.

Apenas espero que um dos nossos próximos presidentes da república defenda tese numa das universidades do Nordeste brasileiro, sobre o papel dos sebastianistas na revolta dos Canudos, estudando a influência da pomba do Espírito Santo na restauração do Quinto Império, cuja bandeira, conforme as teses do Padre António Vieira, foi asumida pela União Europeia. Continuo a preferir a teoria do poder dos sem poder de mestre Agostinho, que também era templário como o outro a quem chamam borracho. Porque vale mais não dizer se eu não souber soletrar. E por mim prefiro continuar a heresia, para manter a ortodoxia de Aljubarrota e das Cortes de Coimbra de 1385.