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Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

19.4.06

Em dia de fundação do PS (1973), homenagem ao realismo criador de Soares



Faz hoje um ano que foi eleito papa o bávaro Ratzinger, que escolheu o nome de Bento XVI e, germanices por germanices, importa recordar que cerca de um século-menos-dois-anos depois da fundação do partido de Fontana e Antero, fundava-se um Partido Socialista para os portugueses, em Bad Munsterfeld, nos arredores de Bona, sob os auspícios de Willy Brandt, do SPD e da Internacional Socialista, em torno daquilo que outros qualificaram como "o grupo de amigos de Mário Soares". No grupo e nos primeiros meses, não estavam Jorge Sampaio, entretido na formação do MES, nomeadamente com o actual reitor da Universidade Católica e Ferro Rodrigues, nem José Sócrates, entretido a ler Bernstein e a preparar-se para a inscrição na JSD. Tal como Veiga Simão ainda era ministro do Estado Novo.

Poucos dias antes, realizara-se em Aveiro o III Congresso Republicano, do ciclo iniciado por Mário Sacramento, que, pela primeira vez era dito da "Oposição Democrática" para incluir os monárquicos que eram consequentes na oposição e democráticos. Poucos dias depois, explodiam vários petardos das Brigadas Revolucionárias do meu amigo Carlos Antunes, na véspera de José Vieira de Carvalho e José Luís da Cruz Vilaça andarem em activismo organizador do Congresso dos Combatentes do Ultramar e de se realizarem as últimas eleições estadonovenses para a Assembleia Nacional (28 de Outubro), já sem listas do partido único participadas pela ala liberal, à excepção de João Bosco Mota Amaral que fazia estágio para presidente do parlamento da democracia.




A espinha dorsal do PS é constituída pelos marxistas dissidentes do PCP, desde os que vieram dos tempos do MUD, na linha de Mário Soares e outros exilados, como os do grupo de Genebra, com António Barreto, Eurico de Figueiredo e Medeiros Ferreira.



O segundo grande núcleo provém dos republicanos históricos, afonsistas ou sergianos, como Henrique de Barros, Vasco da Gama Fernandes e Raúl Rego, quase todos eles próximos da maçonaria clássica do Grande Oriente Lusitano. Embora, outros irmãos, como Emídio Guerreiro, Nuno Rodrigues dos Santos ou José Augusto Seabra, tenham preferido um PPD não-marxista, enquanto o grupo de Adelino da Palma Carlos ainda procurava terceiras-vias, nem PS, nem PPD.



O terceiro vector é o dos católicos dos anos sessenta, provindos da JUC e da JOC, que não começam pelo marxismo, mas pela doutrina social da Igreja Católica.



Seguem-se alguns revolucionários das intentonas contra o regime, adeptos da acção directa, mas insusceptíveis de enquadramento pela disciplina subversiva dos comunistas, não faltando os exilados estacionados em Argel marcados por um esquerdismo intelectual quase libertário, como Lopes Cardoso e Manuel Alegre.



Em 1974 o grupo ainda invoca como inspiração teórica predominante o marxismo, saudando a revolução soviética como marco fundamental na história da Humanidade, embora advogue uma via portuguesa para o socialismo, repudiando, nos sociais-democratas, o facto de os mesmos conservarem as estruturas do capitalismo e de servirem os interesses do imperialismo.



E Soares, face aos comunistas, dirá sucessivamente que não é Marx nem Lenine que nos dividem, invocando a faceta estalinista do movimento cunhalista.



Este partido, com os ventos de Abril, passa do restrito grupo de amigos de Mário Soares a um dos maiores partidos políticos do regime. Um partido que hibridamente procura misturar o método científico de Karl Marx, o sonho de Antero, a pedagogia de António Sérgio e o realismo criador de Mário Soares, como mais tarde sintetizará Manuel Alegre.