a Sobre o tempo que passa: Do nacionalismo liberal às guerras de papéis da bolonhesa

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

20.2.06

Do nacionalismo liberal às guerras de papéis da bolonhesa



Não, nas efemérides de hoje, não vou recordar o que há um ano ainda não sei que aconteceu a Portugal. Prefiro ir um pouco mais atrás e assinalar que, em 1962, os norte-americanos, copiando os soviéticos, lançavam no espaço John Glenn, assim homenageando Gagarine, enquanto em Portugal, no ano de 1983, Francisco Lucas Pires assumia a presidência do então CDS, quando este partido corria o risco de se transformar num clube de viúvas do Professor Diogo, assim se confirmando o direito de termos, na Europa ocidental, a tal direita mais estúpida do mundo. A tal que teve especial prazer por estacionar na casa do Padre Cruz, ao Largo do Caldas, dado que por lá também hão-de poisar Adriano Moreira e Paulo Portas, antes de vermos o respectivo pai-fundador como ministro dos estrangeiros socialista, talvez para fazer com que a esquerda portuguesa apanhasse o mesmo vírus estupidificante.



Francisco Lucas Pires apenas foi a tal excepção que confirmou a regra. Fui seu aluno, deixei-me mobilizar politicamente por ele e entrei, então, pela primeira vez num partido, do qual iria sair quando se deu o regresso do professor Diogo, naquilo que foi uma barganha de viúvas. O signo mobilizador que há-de começar por marcar o pirismo tinha então a ilusão de podermos ter um "nacionalismo liberal", de acordo com um velho paradoxo pessoano, coisa que os "neolibs" e "neocons" de hoje não entendem, porque não faz parte das fichas das respectivas traduções em calão do anglo-americano.

O Francisco cometeu a heresia de se assumir como o primeiro homem do "establishment" a afirmar-se da direita, num partido de mariano dogma centrista, e como liberal, num pais socialista à direita e à esquerda. Infelizmente a semente que lançou acabou por se disseminar fora do grupo. Basta recordar que o secretário-geral que escolheu, o Vieira de Carvalho, passou a ser "histórico" do PSD e que este até tinha como chefe de gabinete o Fernando Seara e quem passar os olhos pelas fotos e nomes do período rirá a bandeiras despregadas com as habituais incoerências biográficas dos nossos políticos profissionais. Até me recordo de artigos publicados em semanários por jovens centristas, hoje muito à direita, denunciando a chegada do fascismo, repetindo discurso em São Bento de afamado profe de Coimbra, a recordar que a chegada de Lucas Pires ao parlamento era a entrada no templo da democracia do "fascismo quimicamente puro". Não enumero os respectivos nomes, eles eram apenas correias de transmissão daquela estupidificação que levou Freitas a ministro socialista.

Infelizmente, não posso continuar estas memórias, dado que as minhas tarefas de profe, me impõem que leia mais uma das reformas de licenciatura do chamado espírito da bolonhesa, que é o novo nome das veiga-simonices e das adrianices, antes de ter que meditar em transcendental em mais uma das guerras de papéis de outros "profes" e das suas psicanalíticas emanações verbais.