a Sobre o tempo que passa: Comissões de honra, presidenciáveis e o regresso da sociedade de corte

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

31.10.05

Comissões de honra, presidenciáveis e o regresso da sociedade de corte



Se alguém quiser fazer um ensaio sobre o atavismo e a sociedade da corte, nada melhor do que visitar Portugal 2005 e penetrar nos meandros das chamadas comissões de honra das várias candidaturas presidenciais. Aí pode detectar a efectiva lista dos anteriores beneficiários das comendas, do decretino e até do saco azul, quando os candidatos exerciam funções cimeiras, como supremos gestores do aparelho de poder da companhia Pátria, S.A.R.L., isto é, no tempo em que se podia ser anónimo e de responsabilidade limitada.



Agora, cada candidato convocou a respectiva pequena corte para uma sessão televisionada de má passagem de modelos, transformando o povão em passivo auditório do discurso dessa pretensa elite, mais oligárquica do que aristocrática. Inevitavelmente, os lugares do primeiro banco da sala são quase todos ocupados pelos financiadores, com ilustres banqueiros e donos de afundações, bem acompanhados pelos ex e actuais gestores daquilo que era o sector empresarial do Estado, onde se incluem antigos ministros, nomeados pelos respectivos sucessores, e pelos dirigentes-angariadores da Liga Contra os Salários em Atraso, nos clubes de futebol.



No meio da sala, semeiam-se intelectuários e avençados, bem como inúmeros propagandistas ditos “opinion makers”, não faltando os que, vivendo da consultadoria, precisam de estar bem com Deus e com o Diabo. Aqui e além, um ou outro idiota útil, sonhando integrar a procissão do vencedor, à espera de uma qualquer futura comenda ou de um lugarzito no avião presidencial, na próxima visita oficial que se fizer à Mongólia, ao Taiti ou uma qualquer republiqueta onde haja coqueiros para subir ou tartarugas para cavalgar. Os restantes apenas estão sequiosos de um qualquer minuto de fama nas recepções da diplomacia do croquete, dentro da habitual ética republicana da sociedade da corte.



Com efeito, este desviacionismo de feira das vaidades, apenas confirma que o órgão monárquico mais democrático do presente regime político precisa de fingir-se aristocrático, para que se conclua esta nostalgia pelos sucessivos “anciens regimes” que nos façam retroagir pelo tempo em que os animais não falavam e os vivos não eram cadáveres adiados que procriavam discursos enlatados pelas agências de “marketing” político.



Por outras palavras, as comissões de honra são a cedência dos presidenciáveis à moda do “jet set” em ritmo de “reality show” de uma qualquer quinta das celebridades, onde não faltam oficiais-generais em risco de desactivação. E porque os publicitários campanheiros são sempre uns exagerados, os presidenciáveis acreditaram que “é disto que o meu povo gosta”. Não consta que tenham sido convidados os “entertainers” Carlos Cruz e Herman José, nem que tenha sido sondado o embaixador Jorge Rito.