a Sobre o tempo que passa: L'oui par le non. com sabor ao nosso Padre António Vieira..

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

30.5.05

L'oui par le non. com sabor ao nosso Padre António Vieira..



A expressão em epígrafe é de Maurice Duverger, analisando "a posteriori" a actuação de Charles de Gaulle relativamente ao projecto europeu. Ontem, uma das máquinas da locomotiva da integração europeia, que ainda vive em regime de geometria variável, disse "não" à constituição valéria, para desgosto de todos os pretensamente iluminados convencionalistas que pensavam ter chegado ao Olimpo pela via da burocracia e da partidocracia.

Neste blogue, e no seu antecessor, sempre me bati contra esta chamada Constituição europeia, sempre disse "não" e também sempre defendi que tal atitude podia significar dizer "sim" à Europa, entendida como "a nação das nações", através de uma democracia feita de muitas democracias, contra o "pronto-a-vestir" com que pretensos "fidalgos", citadores de Monnet e de Schuman, não compreenderam que a Europa não é o rebanho de um abstracto povo europeu, mas uma pluralidades de povos, nacionais e ideológicos, sindicais e patronais, religiosos ou geracionais, e que que só através de uma estrutura de rede, feita de pluralidade de pertenças e de respeito pelas diferenças, é que poderemos atingir o universal europeu.

Repito: posso e devo ser federalista e nacionalista, assumindo que cada nação é uma simples forma de construirmos uma super-nação futura. Posso e devo exigir que a Europa rime com este sonho que outros antes de mim escreveram, como Proudhon, como os católicos e protestantes da restauração da "respublica christiana", como os maçons que procuram o ecuménico da república cósmica, como os socialistas e liberais do internacionacionalismo, como todos os que, sem rejeitarem as pátrias e as pequenas pátrias, se consideram cidadãos do mundo. Viva a Europa que nos permite respirar liberdade! A luta continua!

Como escrevi há uns anos: hoje a Europa tem uma bandeira azul, com uma coroa de doze estrelas, não uma estrela por Estado, mas o emblemático número doze, considerado símbolo da plenitude e da perfeição, como doze eram os filhos de Jacob, os trabalhos de Hércules, os signos do zodíaco, os meses do ano, os apóstolos ou a romana lei das doze tábuas.



Doze estrelas, como as da auréola de uma Virgem que aparece no vitral da catedral de Estrasburgo, uma mulher vestida de sol, com a lua debaixo dos pés, tendo uma coroa de doze estrelas sobre a sua cabeça (et in capite eius corona stellarum duodecim)...

Tudo muito conforme, aliás, com o capítulo XII do Apocalipse de S. João.

Compare-se o que a respeito escreve o nosso Padre António Vieira, onde se fala numa Mulher em dores de parto, dando à luz um Filho varão que, no entanto, há-de reinar sobre todas as nações do mundo com ceptro de ferro. Se um Dragão tenta tragá-lo, eis que ele acaba por ser arrebatado ao céu, onde acabará por assentar-se no trono de Deus. À Mulher se darão duas grandes asas de águia com que fugirá do Dragão. Virá depois um Cavaleiro, montado num cavalo branco, trazendo, na orla do vestido, a divisa rex regum et dominus dominantium, comandando um exército, também montado em cavalos brancos, que acabará por vencer o Mal, isto é, a bestialidade do Dragão e os falsos profetas que o seguem .

Interpretando tal passagem, o Padre António Vieira considera que se trata de um relato da emergência da Igreja do Quinto Império, onde se descreve a maneira da Igreja se coroar, e alcançar o Reino e império universal , onde a Lua é o Império Turco (ou o império dos que apenas têm poder temporal) e o ferro, a inteireza e constância da justiça e igualdade com que o mundo há-de ser governado .



Tratar-se-ia da procura de um poder que não está sujeito às inconstâncias do tempo, nem às mudanças da fortuna e que se há-de estender até ao fim do mundo . Porque só então chegará o corpo místico de que fala São Paulo , com Cristo a nascer de novo . O tal Filho, que tem o trono no Céu, tal como a Igreja tem uma coroa na terra .

Como Jean- Pierre Faye termina a sua antologia "L'Europe Une. Les Philosophes et l'Europe", de 1992, também nos apetece citar a mesma passagem de Fernando Pessoa:

Grécia, Roma, Cristandade
Europa - os quatro se vão
Para onde vai toda a idade.
Quem vem viver a verdade
Que morreu D. Sebastião?