a Sobre o tempo que passa: Isto dá vontade de morrer...

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

29.3.05

Isto dá vontade de morrer...



Terça-feira, do sétimo dia de uma primavera, felizmente, chuvosa. Leio a jornalada e noto que começou a necessária renovação do PSD, com um discurso de Freire Antunes contra António Borges e, sobretudo, com a candidatura de Moita Flores, comentador de todas as coisas, criminologista e autor de telenovelas e séries televisivas, à presidência da câmara de Santarém. Fez um longo discurso de 18 páginas em que citou Sócrates, Platão, Aristóteles, São Tomás de Aquino, Pascal, Leibniz, Pessoa, Kennedy e... Cavaco Silva, entre muitos outros. Dizem que o espírito do velho inspector Varatojo voltou a animar a hostes escalabitanas que querem deixar de ser, definitivamente, terra dos exílios internos, à moda de Vale de Lobos.



Já o médico papal, Professor Doutor Daniel Serrão, veio aos jornais declarar que «em Portugal não se morre em paz. É horrível, mas ainda há muitos doentes que morrem cheios de dores que há décadas são desnecessárias». Por outras palavras, contra-parafraseando Alexandre Herculano, "isto nem dá vontade de morrer". Consta que o historiador terá feito o célebre e inverso comentário, precisamente, em Santarém, depois de assistir a um alegre funeral cigano. Por seu lado, um árbitro internacional, Pedro Proença, incomodado com as peripécias do "apito dourado", desceu aos jornais declarar o óbvio:"a arbitragem bateu no fundo, é a pouca-vergonha completa. E agora que sabemos de algumas das situações não podemos ficar calados". O apito, depois de silvar em certas autarquias do Norte, parece ter começado a estender os seus zumbidos para zonas bem mais a Sul, com o regresso das andorinhas aos velhos ninhos, mas que, nem por isso, parecem fazer a Primavera. Amen!



Finalmente, refira-se que o constitucionalista Professor Doutor Jorge Miranda, não glosando o patriarca-cardeal, veio defender que os referendos sobre o aborto e a Constituição europeia, que o PS tenciona realizar ainda em 2005, “só devem ser feitos depois das eleições presidenciais”. Porque, depois de termos tido “já duas revisões constitucionais no século XXI (2001 e 2004)”, “não podemos andar toda a vida com revisões da Constituição”. Mais emocionantes são os comentários, de primeira página, sobre a fortuita extensão do decote mostrado pela despenteada apresentadora da Quinta das Celebridades, antiga animadora da "Noite de Má Língua" e ex-assessora política de Joaquim Ferreira do Amaral, quando este era ministro do comércio do cavaquismo. Entretanto, o grande teórico da refundação da direita, Luís Delgado, já a definiu sociologicamente como o "eleitorado natural, moderado, centrista e de classe média", talvez por deixar o povo dos remediados e excluídos para a esquerda, enquanto as classes altas ficam repartidas entre a esquerda revolucionária, a extrema-esquerda e a extrema-direita. Resta saber se o Partido, que se diz Popular, quer manter-se como o efectivo "partido dos ricos", alargado às tias e "queques" da Linha, para citarmos Ferro Rodrigues e o PSD assumir a sua messiânica missão de libertador dos "self made men" à moda do Minho, contra os "sulistas, elitistas e liberais". De qualquer maneira, parece estar em risco a aliança que, outrora, foi simbolizada por Cinha Jardim e Avelino Ferreira Torres. Laus Deo!



Consta que o Patriarcado se sentiu deveras inco-"modado" com a circunstância de uma das obediências da Maçonaria passar a poder ter um programa na RTP2. Uma fonte geralmente bem informada sobre os assuntos de clericologia, adiantou-nos, em "off", que "se a moda pega ainda vão reclamar uma universidade idêntica à concordatária, o que seria claramente ofensivo para um país de maioria sociológica tradicionalmente católica". Ainda tentei dar-lhe o exemplo da Bélgica, onde a maçónica e plurissecular "Université Libre" sempre rivalizou com Lovaina, mas a minha ungida fonte logo me replicou que, "por cá, já temos réplicas da coisa no ensino público", onde "em vez dos maçons, estão os marxianos e os barnabés de Porto Alegre". Calei fundo. E a fonte acrescentou: "nós queremos manter o monopólio da espiritualidade e da moralidade e ninguém melhor do que a nossa instituição para endireitar teólogos da libertação, tornar ortodoxos ex-marxistas-leninistas-estalinistas, através de leituras de teólogos políticos protestantes, e transformar ex-direitistas em caça-reaccionários e caça-fascistas". Fiquei esmagado e prometi assistir ao próximo programa televisivo da Grande Loja Regular de Portugal. Como homem livre, mas sem a ficha do livre-pensamento. Aleluia!