a Sobre o tempo que passa: Gaivotas em terra, guitarras no mar

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

28.3.05

Gaivotas em terra, guitarras no mar



Nesta segunda-feira de Páscoa, em que "no news, good news", ficámos a conhecer, por científica sondagem, a verdadeira dimensão do estado de graça do socratismo. O ministro que mostra ter mais confiança dos portugueses é Mariano Gago, talvez por ser professor catedrático, talvez por ter aquele ar enigmático e atómico de Professor Pardal, suspenso dos aros oculares, feitos de partículas atómicas, talvez por não ter gasto palavras pelo uso, prostituindo-as pelo abuso. Já o sacrificado Pedro Silva Pereira, o porta-voz de Sócrates, é de quem os portugueses esperam menos. Isto é, nestes pós-santanismo e pós-portismo, pela boca morre o peixe, porque a regra passou a ser que quanto mais falas, menos eu gosto de ti.



Cientista e catedrático é outro professor que comanda a suprema avaliação do reino em matéria de escolas superiores e, conforme pode ler-se no jornal "Público", ei-lo que desceu da Internet à tinta no papel, para nos brindar com um artigo de defesa da sua dama e ganha-pão. Basta ler o dogmático da primeira frase, para tudo se compreender de processo cientifico-burocrático: "Há pessoas que considero a ponto de usar o meu tempo a discutir e argumentar com elas. Outras não merecem sequer resposta...". Qualquer especialista em diálogo e tolerância, se ler os parágrafos seguintes compreenderá o que era o estilo e a gramática de uma nota oficiosa em regimes autoritários, marcados pela hipocrisia do princípio da legalidade e pela eficácia da vontade de poder.



Abstemo-nos de falar da benção "urbi et orbi" de João Paulo II de ontem. O patético pode destruir a imagem do dramático, na Igreja-Espectáculo da televisão global. Prefiro notar que o mar galgou ontem a costa na minha querida praia de Buarcos, enquanto mais a Norte, noutras areias apareceram mortos alguns golfinhos. E termino com uma página de honra deste nosso "telurismo oceânico": o compositor e músico Carlos Paredes legou duas das suas guitarras a Coimbra, instrumentos que deverão ficar expostos na Torre do Anto. Que fique para sempre este "movimento perpétuo". Não há Portugal sem ti!